segunda-feira, 2 de junho de 2008

Olhemos um pouco à nossa volta

Jorge Alfar, olhares.com

1. Atravessamos hoje um mundo complexo, em que é bem notório o espectáculo triste das desigualdades, discriminação de raça, sexo, idade e condição social. Mas impõe-se-nos igualmente o espectáculo da pobreza, da miséria e da fome, ao ponto de um cão do primeiro mundo ter à disposição dezassete vezes mais bens do que uma criança do terceiro mundo! E também o espectáculo do crescimento em flecha da criminalidade organizada, do narcotráfico, redes de prostituição e de pedofilia, comércio ilegal de armas, tráfico de órgãos, etc. E não podemos ignorar o espectáculo do regresso de velhas epidemias e pandemias, como a tuberculose, a varíola e outras doenças que há muito tempo estavam erradicadas. E, como se não bastasse, vemos ainda surgir novas pandemias, como a Sida (AIDS) e a chamada «síndrome respiratória aguda» (SRA), vulgo «pneumonia atípica».

2. Acresce ainda o espectáculo do desrespeito pela natureza, com o aumento incontrolável da poluição, a proliferação de lixeiras de produtos tóxicos, o buraco do ozono sempre a aumentar, o sobreaquecimento do planeta, graves atentados contra os oceanos.

3. Não podemos também deixar de assistir à transformação da natureza do capitalismo, que já quase nada tem a ver com a produção de riqueza através do desenvolvimento da indústria, da agricultura ou do comércio. As grandes fortunas fazem-se hoje, não com base no trabalho e na produção de riqueza, mas com base na especulação bolsista, através da transacção de acções de Bolsa em Bolsa, de Londres para Nova Iorque, de Tóquio para S. Francisco… E fazem-se assim, num só dia, fortunas maiores do que as que qualquer grande industrial pode fazer durante toda uma vida de trabalho honesto numa empresa com milhares de trabalhadores.

4. Neste mundo complexo em que vivemos, também não podemos ainda ignorar que o dinheiro que resulta do narcotráfico, do tráfico da prostituição e da pedofilia, do tráfico de armas e de órgãos, atinge hoje valores da ordem dos 40 % do fluxo de capitais que circulam pelo mundo. Ao ponto de já ninguém conseguir saber bem o que é dinheiro sujo e dinheiro limpo.

5. Em suma, atravessamos hoje um mundo em saldo. Sem instituições credíveis, quer a nível mundial, nacional ou local. Veja-se a própria ONU, a UNESCO, a NATO, mas também a família, a escola, a política, a polícia, os tribunais, a saúde. Sem instituições e sem princípios ou valores. De facto, vivemos num mundo esvaziado de valores, em que dá a impressão que vale tudo e que tudo vale o mesmo, tudo é equivalente. A confusão é total. O que é normal? Ser corrupto ou ser honesto? Ser fiel aos compromissos assumidos, sobretudo na família, ou ter isso como comportamento antiquado? Andar metido na droga, ou fugir dela? Meter cunhas para conseguir facilmente certos objectivos, ou lutar por eles com esforço e determinação? Passar a noite à entrada do posto de saúde para poder ser atendido, ou comparecer à hora de abertura? Que mundo é este, senhores?! Não tarda nada, começaremos a andar de gatas ou de pernas para o ar. E acharemos isso normalíssimo.

6. Num mundo como este, importa que cultivemos a vontade e a inteligência. E que tenhamos a peito a dignidade da pessoa humana, a justiça e a prática do bem, que implicam a aceitação do outro e o respeito pelas suas diferenças, mas também a compaixão, o perdão, a tolerância, a generosidade. Tudo isto modelado ainda pelo mistério que envolve a nossa vida e a nossa morte.

António Couto

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