domingo, 30 de agosto de 2009

A Igreja de Roma e a Guerra



No Verão de 1939, a Europa percorreu o último trecho do caminho que a levou a precipitar-se no abismo da guerra. Um abismo que, apenas vinte anos após a primeira catástrofe bélica mundial, se abriu com uma série de horrores inimagináveis. Do desmembramento da Polónia, depois do pacto, com muita frequência esquecido, entre a Alemanha nazista e a Rússia soviética, teve de facto início o incêndio que fez arder grande parte do velho continente, a bacia mediterrânea e a imensa área do Pacífico; com o monstruoso extermínio do povo judeu, destruições sem precedentes de civis e de muitas cidades do velho continente, até ao epílogo nuclear, carregado de novos pesadelos que, com a destruição de Hiroshima e Nagasaki, pôs fim ao conflito desencadeado pelo Japão e, deste modo, aos seis anos da guerra mais sangrenta que a terra viu.
A lição da primeira guerra mundial de nada serviu. Aliás, dela surgiu uma sucessão de injustiças e, sobretudo, a afirmação dos totalitarismos soviético, fascista, nazista, que levaram a Europa e grande parte do mundo a sofrer males indizíveis. Face à guerra, a Igreja de Roma não abandonou aquelas fronteiras da paz que fadigosamente tinha iniciado a presidiar no início do século XIX e, sobretudo, a partir do último trinténio do século, quando a perda do poder temporal tinha de facto favorecido a expansão da sua influência internacional. E se Pio X, nos seus últimos dias de vida, se tinha quase oferecido como vítima sacrifical, sentindo aproximar-se a "grande guerra", Bento XV empenhou-se contra a insensata tragédia europeia que, incompreendido e insultado pelas partes contrapostas, definiu como "massacre inútil"; mobilizando, de resto, uma "diplomacia da assistência" que, silenciosa e eficaz, teria voltado a caracterizar a atitude da Santa Sé também na segunda guerra mundial.
Durante os respectivos encargos diplomáticos, no coração da Europa em chamas, os futuros Pio XI e Pio XII tinham sido testemunhas directas do surgir dos totalitarismos, causa dos males que se preparavam. E, tendo ambos chegado à guia da Santa Sé, no decorrer dos anos 30 viram com lucidez o encaminhar-se inexorável para a guerra, que procuraram contrastar com a diplomacia, a política concordatária, a firmeza sobre a doutrina católica, numa consonância substancial não enfraquecida por personalidades e temperamentos entre si muito diversos. Não foi, portanto, por acaso que a escolha do conclave, rapidíssima, se orientou para o secretário de Estado de Pio XI. Imediatamente, Pio XII teve que enfrentar uma situação que se precipitava: "Nada se perde com a paz, tudo pode ser perdido com a guerra" foi o inútil apelo extremo, a cuja redacção lançou mão o substituto Montini, estreito colaborador do Papa também na tenaz obra de socorro depressa iniciada: no Vaticano, em Roma, na Itália e em muitos outros países onde, ao lado de muitos católicos, os representantes pontifícios, como Roncalli, em Istambul, se prodigalizaram de todos os modos para socorrer os perseguidos, sem distinções. Pio XII e quantos lhe iriam suceder na sede romana com os nomes de João XXIII e Paulo VI foram assim, com o enfurecer do conflito, quer defensores das razões humanas e da justiça, quer testemunhas da caridade de Cristo, com uma pregação de paz que o Papa Pacelli não interrompeu durante a guerra e nos anos seguintes, apoiando a opção da democracia, rejeitando a atribuição de uma culpa colectiva ao povo alemão, contrastando o totalitarismo soviético que impôs regimes ditatoriais a muitos países e semeou novos males, e apoiando sem incertezas a construção fadigosa de um projecto unitário para a "velha Europa, que foi obra da fé e do génio cristão" e que, contudo, não tinha sido capaz de ouvir a radiomensagem pontifícia transmitida na tarde de 24 de Agosto de 1939.
Se de muitas formas os cristãos souberam dar contribuições importantes para a reconstrução e a reconciliação, a Igreja de Roma fechou simbolicamente a segunda guerra mundial com as eleições papais de Karol Wojtyla que, em 1989, cinquenta anos após o seu início, lhe dedicou uma carta apostólica, e de Joseph Ratzinger, precisamente a sessenta anos da conclusão do conflito que os futuros João Paulo II e Bento XVI sofreram em primeira pessoa, filhos de Nações então contrapostas.
Sob o ponto de vista histórico, a dúplice escolha do colégio dos cardeais demonstrou a inconsistência de muitos prognósticos baseados em velhas convicções de carácter político, segundo as quais as eleições de 1978 e, sobretudo, de 2005 teriam sido impossíveis. Em conclusão, a geopolítica da Igreja é diversa. E isto porque, assumindo o passado, olha para o homem e para o futuro com os olhos fixos numa promessa que não será desiludida.


Giovanni Maria Vian, L’Osservatore Romano


(SP)