terça-feira, 24 de novembro de 2009

Samaritana


Centremos, primeiro, a nossa atenção nos seres humanos. A samaritana é uma jovem que vem à fonte, bonita, elegantemente vestida. Repare-se no pormenor da cintura subida. Mulher sedutora, já tivera cinco maridos, e o que tinha então não era dela.
De acordo com o evangelho, Cristo está sentado, descansando, mas aqui veste à maneira de peregrino: chapéu na cabeça, bordão na mão direita, calçado leve e alforge a tiracolo. Está de passagem. Caminha, evangelizando.
O cão, também repousando, do lado de Cristo, não será apenas um pormenor decorativo. Simboliza a virtude da fidelidade, precisamente o que Jesus, conhecedor da psicologia feminina, promete à samaritana: um amor eterno, uma fidelidade perfeita.
A paisagem em que se desenrolou a cena evangélica não deveria ser tão verdejante. Aqui se revela, porém, outra originalidade da pintura. Vemos árvores frondosas, arbustos, verdura pelo chão, aves voando, um palácio, representando a cidade. Vemos, não um poço, mas um fontanário barroco com golfinhos na base e ostentando, no alto, um pequeno Cupido. À maneira arcádica, combinando tradição greco-romana com a mensagem cristã, o artista situou o episódio num ambiente iconograficamente próximo das representações do Jardim do Amor.
Ao fazê-lo, captou o essencial da cena. O episódio da samaritana é, precisamente, a promessa de uma água que mata para sempre a nossa sede de amor, de um amor absolutamente perfeito, por isso mesmo imortal. É a promessa do regresso ao Jardim do Éden.

Fé e Arte


Nas catequeses das semanas passadas apresentei alguns aspectos da teologia medieval. Mas a fé cristã, profundamente arraigada nos homens e nas mulheres destes séculos, não deu origem somente a obras-primas da literatura teológica, do pensamento e da fé. Ela inspirou também uma das criações artísticas mais elevadas da civilização universal: as catedrais, verdadeira glória da Idade Média cristã. Com efeito, durante cerca de três séculos, a partir do início do século XI, assistiu-se na Europa a um ardor artístico extraordinário. Um antigo cronista descreve assim o entusiasmo e o labor daquela época: "Verificou-se que no mundo inteiro, mas especialmente na Itália e nas Gálias, se começou a reconstruir as igrejas, embora muitas, por estar ainda em boas condições, não tivessem necessidade de tal restauro. Era como uma competição entre um povo e outro; acreditava-se que o mundo, libertando-se dos velhos trapos, queria revestir-se em toda a parte com a veste branca de novas igrejas. Em síntese, quase todas as igrejas catedrais, um grande número de igrejas monásticas e até oratórios de aldeia, foram então restauradas pelos fiéis" (Rodolfo o Glabro, Historiarum 3,4).
Vários factores contribuíram para este renascimento da arquitectura religiosa. Em primeiro lugar, condições históricas mais favoráveis, como uma maior segurança política, acompanhada por um aumento constante da população e pelo progressivo desenvolvimento das cidades, dos intercâmbios e da riqueza. Além disso, os arquitectos encontravam soluções técnicas cada vez mais elaboradas para aumentar as dimensões dos edifícios, garantindo ao mesmo tempo a sua solidez e majestade. Porém, foi principalmente graças ao ardor e ao zelo espiritual do monaquismo em plena expansão que foram construídas igrejas abaciais, onde a liturgia podia ser celebrada com dignidade e solenidade, e os fiéis podiam deter-se em oração, atraídos pela veneração das relíquias dos santos, meta de peregrinações incessantes. Nasceram assim as igrejas e as catedrais românicas, caracterizadas pelo desenvolvimento longitudinal, em comprimento, das naves para acolher numerosos fiéis; igrejas muito sólidas, com muros espessos, abóbadas em pedra e linhas simples e essenciais. Uma novidade é representada pela introdução das esculturas. Dado que as igrejas românicas eram lugar de oração monástica e de culto dos fiéis, os escultores, mais do que preocupar-se com a perfeição técnica, prestaram atenção sobretudo à finalidade educativa. Uma vez que era necessário suscitar nas almas impressões fortes, sentimentos que pudessem impelir a evitar o vício, o mal, e a praticar as virtudes, o bem, o tema recorrente era a representação de Cristo como Juiz universal, circundado pelas personagens do Apocalipse. Em geral, são os pórticos das igrejas românicas que oferecem esta representação, para sublinhar que Cristo é a Porta que conduz ao Céu. Os fiéis, cruzando o limiar do edifício sagrado, entram num tempo e num espaço diferentes dos da vida comum. Para além do pórtico da igreja, os crentes em Cristo, soberano, justo e misericordioso, na intenção dos artistas, podiam saborear uma antecipação da bem-aventurança eterna na celebração da liturgia e nos gestos de piedade no interior do edifício sagrado.
Nos séculos XII e XIII, a partir do norte da França, difundiu-se outro tipo de arquitectura na construção dos edifícios sagrados, a gótica, com duas características novas em relação ao românico, ou seja, o impulso vertical e a luminosidade. As catedrais góticas mostravam uma síntese de fé e de arte harmoniosamente expressa através da linguagem universal e fascinante da beleza, que ainda hoje suscita admiração. Graças à introdução das abóbadas em ogiva, que se apoiavam sobre pilares robustos, foi possível elevar notavelmente a sua altura. O impulso rumo ao alto queria convidar à oração e ele mesmo era uma prece. A catedral gótica tencionava traduzir assim, nas suas linhas arquitectónicas, a aspiração das almas por Deus. Além disso, com as novas soluções técnicas adoptadas, as paredes podiam ser perfuradas e adornadas com vitrais policromáticos. Em síntese, as janelas tornavam-se grandes imagens luminosas, muito aptas para instruir o povo na fé. Nelas, cena por cena, eram narrados a vida de um santo, uma parábola ou outros acontecimentos bíblicos. Dos vitrais pintados, uma cascata de luz derramava-se sobre os fiéis para lhes narrar a história da salvação e para os envolver nesta história.
Outra qualidade das catedrais góticas é constituída pelo facto de que na sua construção e decoração, de modo diferente mas coral, participava toda a comunidade cristã e civil; participavam os humildes e os poderosos, os analfabetos e os doutos, porque nesta casa comum todos os crentes eram instruídos na fé. A escultura gótica fez das catedrais uma "Bíblia de pedra", representando os episódios do Evangelho e explicando os conteúdos do ano litúrgico, da Natividade à Glorificação do Senhor. Além disso, nesses séculos difundia-se cada vez mais a percepção da humanidade do Senhor, e os padecimentos da sua Paixão eram representados de modo realista: Cristo sofredor (Christus patiens) tornou-se uma imagem amada por todos, e apta para inspirar piedade e arrependimento pelos pecados. Também não faltavam as personagens do Antigo Testamento, cuja história se tornou assim familiar para os fiéis que frequentavam as catedrais, como parte da única, comum, história de salvação. Com os seus rostos cheios de beleza, de docilidade e de inteligência, a escultura gótica do século XIII revela uma piedade ditosa e tranquila, que se alegra por efundir uma devoção sentida e filial pela Mãe de Deus, vista às vezes como uma jovem mulher, risonha e materna, e principalmente representada como a soberana do céu e da terra, poderosa e misericordiosa. Os fiéis que apinhavam as catedrais góticas gostavam de encontrar aí também expressões artísticas que recordassem os santos, modelos de vida cristã e intercessores junto de Deus. E não faltavam manifestações "laicas" da existência; eis então que aparecem, aqui e ali, representações do trabalho dos campos, das ciências e das artes. Tudo era orientado e oferecido a Deus, no lugar onde se celebrava a liturgia. Podemos compreender melhor o sentido que era atribuído a uma catedral gótica, considerando o texto da inscrição gravada no pórtico central de Saint-Denis, em Paris: "Viandante, que queres louvar a beleza destes pórticos, não te deixes ofuscar pelo ouro, nem pela magnificência, mas sobretudo pelo trabalho cansativo. Aqui brilha uma obra famosa, mas queira o céu que esta obra famosa que brilha faça resplandecer os espíritos, a fim de que com as verdades luminosas se encaminhem para a verdadeira luz, onde Cristo é a verdadeira porta".
Caros irmãos e irmãs, apraz-me frisar agora dois elementos da arte românica e gótica, úteis também para nós. O primeiro: as obras-primas artísticas surgidas na Europa nos séculos passados são incompreensíveis, se não se tem em consideração a alma religiosa que as inspirou. Um artista que sempre deu testemunho do encontro entre estética e fé, Marc Chagall, escreveu que "os pintores durante séculos banharam o seu pincel naquele alfabeto colorido que era a Bíblia". Quando a fé, particularmente celebrada na liturgia, encontra a arte, cria-se uma profunda sintonia, porque ambas podem e querem falar de Deus, tornando visível o Invisível. Gostaria de compartilhar isto no encontro com os artistas, de 21 de Novembro, renovando-lhes aquela proposta de amizade entre a espiritualidade cristã e a arte, desejada pelos meus venerados Predecessores, em particular pelos Servos de Deus Paulo VI e João Paulo II. O segundo elemento: a força do estilo românico e o esplendor das catedrais góticas recordam-nos que a via pulchritudinis, o caminho da beleza, é um percurso privilegiado e fascinante para nos aproximarmos do Mistério de Deus. O que é a beleza que escritores, poetas, músicos e artistas contemplam e traduzem na sua linguagem, a não ser o reflexo do esplendor do Verbo eterno que se fez carne? Santo Agostinho afirma: "Interroga a beleza da terra, interroga a beleza do mar, interroga a beleza do ar difundida e diluída. Interroga a beleza do céu, interroga a ordem das estrelas, interroga o sol, que com o seu esplendor ilumina o dia; interroga a lua, que com o seu clarão modera as trevas da noite. Interroga os animais que se movem na água, que caminham na terra, que voam pelos ares: almas que se escondem, corpos que se mostram; visível que se faz guiar, invisível que guia. Interroga-os! Todos te responderão: Olha-nos, somos belos! A sua beleza fá-los conhecer. Quem foi que criou esta beleza mutável, a não ser a Beleza Imutável?" (Sermo CCXLI, 2: pl 38, 1134).
Estimados irmãos e irmãs, que o Senhor nos ajude a redescobrir o caminho da beleza como um dos itinerários, talvez o mais atraente e fascinante, para conseguir encontrar e amar a Deus.

Bento XVI

SP

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O Peneireiro


Esta ave, desconfio que os meus leitores não a conhecem. Talvez a confundam com o milhafre ou milhano, se olharem apenas a roupa. Como ela voa alto, maior perigo de confusão. É ave de rapina e veste uma camisola pardacenta. Nas aldeias sertanejas disputa as capoeiras com o milhano. Não que as assalte como a raposa matreira. Mas acontece que a galinha se arrisca pelo vale abaixo, pelos matos, onde a bicheza é copiosa.
E logo vos direi como caça o peneireiro. O milhafre, ao ver a galinha, despenha-se em linha recta, arpoa e some-se nas nuvens. O peneireiro, ou por guloso, ou por desconfiado, usa estratégia diferente. Deve ter lido os livros de caça do rei D. Duarte e de outros reis e monteiros e aplica as teorias que já vêm de Assurbanípal.
O peneireiro ergue-se a pino sobre brenhas e pinhais. Quase se imobiliza com um jeito trémulo de asas e daí lhe vem o nome. Fica a peneirar uma farinha que não se vê e vem a ser a sua manha de salteador com todos os preparativos. Ali fica a sacudir as asas, a travar o voo. Está a sondar os matagais, a ver onde os coelhos penduram as flanelas, onde a fuinha mexerica, onde os passarinhos rasteiros têm o ninho. E escolhe a presa consoante o apetite e o capricho. Feita a escolha, desaba como um raio e a vítima nem tempo tem de soltar o ai dos infelizes. Não ameaça, não amedronta, parece mesmo que anda de gorra com os geógrafos de teodolito a fazer o levantamento das terras. Os bichos curiosos de o verem parado em pleno ar põem-se a espreitar. É o que ele quer. Parece mesmo dizer lá de cima: - venham ver esta prova de saltimbanco, venham que eu já vos dou o arroz!
O resultado destas artes é que anda sempre bem almoçado. Se a galinha se arrisca pelo vale adiante, o maroto não peneira muito os ares. Escolhe o pintainho mais gordote e leva-o no bico com amofinamento da galinha que olha os vastos céus inacessíveis.
Digam-me agora se não há homens com psicologia de peneireiros! Andamos todos, uns mais que os outros, atarefados na brenha social. Erguemos, de quando em vez, os olhos ao céu e lá vemos um peneireiro a escolher a vítima. Peneira os ares tão docemente, parece tão inofensivo que a vítima até lhe entra no jogo, até o louva e celebra. Às vezes por sobre a vida individual de cada um de nós ouvimos o ruflar do peneireiro, do explorador, do manhoso de maus fígados, escondido em jeitos de acrobata para nos divertir antes da guinada mortal. Do milhafre todos se acautelam. E a não se conhecer o bandido, as culpas são sempre para o milhano.
O peneireiro só quer observar, divertir os tristes. Nos adjuntos humanos há uma categoria de peneireiro de uma esperteza fugidiça ao olho dos psicólogos. São os que querem que outros tirem as castanhas do lume. Tendes aí um júri, vá por exemplo, reunido para deliberação. O peneireiro ergue voo e fica a planear sobre os alvitres. – A si que lhe parece? – Eu, diz o peneireiro, parece-me que nem sim nem não, antes pelo contrário! Vêem-no? Está a planar. Surge um parecer bem escorado em razões, bem raciocinado, ao qual se não pode escapar. O peneireiro desaba em vertical, arpoa o parecer e fá-lo dele. Os jornais da tarde noticiam que foi ele que teve a ideia!
No Congresso de Viena de 1815, o peneireiro era Talleyrand, não obstante a perna manca ou talvez por isso. E desde então, por sobre as sessões conjuntas de ministros, por sobre os areópagos internacionais, por sobre os céus que recobrem a O.N.U., plana sempre um peneireiro a ver qual é o frango mais desamparado.
É claro que o peneireiro está sentado entre as casacas pretas, cá em baixo, mas o seu espírito paira lá em cima e peneira razões e alvitres à espera do momento oportuno. A psicologia do peneireiro infiltrou-se nos políticos de segundas intenções, que têm mãos de Esaú e voz de Jacob; e querer compreender a política de hoje sem conhecer o peneireiro é querer remover o Himalaia com o palito dos dentes.
Por conselho caseiro dizemos que é bom vistoriar os céus de tempos a tempos. Não pedimos dinheiro pelo conselho, mas se uma chumbada prostrar o peneireiro, cozam-no com arroz e ponham lá mais um garfo na mesa. Não falto.

João Maia, O Livro dos Animais
SP

terça-feira, 17 de novembro de 2009

"Casamento" gay e referendo


O artigo 16.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem consagra que o homem e a mulher têm o direito de casar e constituir família e acrescenta que "a família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à protecção desta e do Estado". Sendo de Direito Natural, não era preciso que o afirmasse. O preceito traduz a realidade quantas vezes dita, ouvida, proclamada, repetida, no elenco dos direitos humanos fundamentais: a família é a célula-base da sociedade. Mas, positivistas que andamos, é melhor tê-lo claramente consagrado na Declaração Universal, cujos sessenta anos celebrámos com entusiasmo há um ano e para cujo valor jurídico interno a nossa Constituição também remete expressamente.
O primeiro-ministro, com o país e os portugueses assolados por tantos problemas e dificuldades, decidiu anunciar que quer promover legislação para instituir "o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo". E tem a acompanhá-lo na aventura, que os promotores dessa agenda designaram de "fracturante", a movimentação do BE e do PEV, que já apresentaram projectos de lei de alteração do Código Civil com aquele alcance.
Aqui chegados, uma das questões que se põem é a de saber se o quadro político actual tem legitimidade de decisão política para operar uma transformação com aquela dimensão, sem primeiro consultar o povo em referendo. Não tem.
Executar uma transformação tão radical na célula estruturante da sociedade, sem ao menos ouvir a sociedade e esta se pronunciar claramente, constituiria uma violência legislativa. E violência tanto mais brutal quanto mais se pretendesse, como alguns parecem, passar apressadamente pelo assunto como cão por vinha vindimada.
Seria grave que o Estado violasse o dever de proteger a família como elemento natural e fundamental da sociedade. Pior ainda, se negasse e impedisse a sociedade de o poder fazer.
A Assembleia da República tem legitimidade formal - não o questiono. Tem-na sempre sobre qualquer matéria que se enquadre nas suas competências; e tem-na até exclusivamente, mesmo com referendo, pois o referendo não é instrumento do poder legislativo.
A legitimidade de que falo é de legitimidade material, substantiva, uma legitimidade democrática genuína. E essas, quanto a este tema, não moram nem no Governo, nem no actual quadro parlamentar, se não houver, ao menos, um referendo prévio que suportasse directa e claramente aquele propósito.
Na resposta à questão contemporânea das uniões homossexuais, há diferentes modelos. O modelo radical e extremista é o de, sob vendaval ideológico, capturar a própria noção e palavra "casamento", alterando por completo o conceito e a estrutura longamente estabelecidos da família. Muito poucos países foram por aí. E, quando aqui se chega, o referendo é sempre exigível, como tem acontecido em muitos Estados.
Não é legítimo mexer na célula fundamental da sociedade, na sua noção matricial - e, portanto também, na sua natureza, conteúdo e identidade -, sem ao menos perguntar o que pensa a sociedade e se o quer. Dificilmente, aliás, haverá matéria mais típica de referendo: porque se trata justamente de uma questão de sociedade; e, sendo a família anterior ao Estado, o Estado não pode, não deve, mexer na sua identidade sem ouvir directamente a sociedade.
Acresce que não é verdade que os portugueses tivessem expressado nas últimas eleições a sua vontade na questão. Além de esta ter estado praticamente ausente da campanha, não há tão-pouco maioria de representação de partidos que tivessem assumido programaticamente o tema. De todos, apenas o BE incluiu o propósito legislativo claro de revolucionar o conceito de casamento de forma a incluir as uniões homossexuais e fazendo-o com os efeitos inerentes, nomeadamente quanto à adopção. O PS incluiu o tema do casamento, mas não o da adopção - o que cria um outro problema, mais grave. E o PCP ou a CDU nada disseram especificamente.
Mas o problema quanto ao PS, que quer liderar, é maior. No plano constitucional, por força da norma de não discriminação em razão da orientação sexual, é cristalino que a modificação da noção de casamento arrastaria necessariamente como consequência jurídica imediata a questão da adopção, bem como todas as matérias (e são inúmeras) que estão referidas ao casamento.
Hoje, não existe qualquer inconstitucionalidade, como o Tribunal Constitucional já declarou, uma vez que o casamento é - sempre foi - uma união de homem e mulher. Não há desigualdade, mas especificidade. Mas, se, em engenharia jurídica estratégica, fosse mudada a noção de casamento para corresponder a uma outra coisa, tornar-se-ia gritantemente inconstitucional, quanto à adopção ou qualquer outra matéria, discriminar o estatuto jurídico dos novos "casados" porque uns "casados" fossem de uma orientação sexual e outros doutra.
E, por isso, o primeiro-ministro, ao ter reconhecido expressamente no Parlamento que não possui qualquer mandato quanto à adopção por uniões homossexuais, está a reconhecer implicitamente que também não tem mandato real, legítimo, quanto ao casamento - uma vez que este arrasta inexoravelmente aquela.
Seria grave para uma maioria parlamentar ad hoc - e bem pior para um Governo digno e responsável - avançar de forma obscura e furtiva, sobretudo em matéria de tanta sensibilidade e tão vastas implicações, ao modo de "adopção escondida com casamento de fora". E também por isto, a questão não pode deixar de ser colocada, directamente, sem ambiguidades, nem reservas mentais, à cidadania, para que discuta abertamente e decida o que entende, o que pensa, o que quer.



Ribeiro e Castro, deputado do CDS-PP, in Público, 16.11.2009


SP

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Homossexualidade e desagregação familiar


A homossexualidade não é congénita. As vivências da infância influem no seu aparecimento.

Um estudo baseado em dois milhões de pessoas já assinalava, em 2006, que as experiências familiares na infância influem na orientação sexual.

O estudo foi publicado no número de Outubro de 2006 da revista Archives of Sexual Behavior, a partir dos dados de dois milhões de pessoas nascidas na Dinamarca, com idade entre os 18 e os 49 anos. A Dinamarca, país tolerante com todo o tipo de estilos de vida alternativos, foi o primeiro país a legalizar as uniões homossexuais e tem estatísticas completas sobre uniões do mesmo sexo desde 1989.

O problema de muitos estudos sobre orientação sexual é a selecção da amostra. Neste caso, a selecção incluiu a imensa maioria da população adulta dinamarquesa, sendo portanto uma amostra enormemente significativa. “O nosso estudo apresenta a evidência prospectiva, baseada na população, de que as experiências familiares infantis são factores determinantes na decisão de contrair matrimónio homossexual ou heterossexual na vida adulta”, diziam os autores do estudo.
O estudo assume que as pessoas em uniões do mesmo sexo são homossexuais, e que os casais heterossexuais são de pessoas heterossexuais.

As relações observadas são as seguintes:

1 – Os homens que “se casam” com outros homens têm mais possibilidades de terem sido criados numa família com relações parentais instáveis (pais ausentes, desconhecidos ou divorciados).

2- Também nas uniões lésbicas se observa uma relação com a infância marcada por desagregação familiar. Dão-se especialmente entre mulheres “que experimentaram a morte da mãe durante a adolescência, casamentos efémeros dos pais, e em mulheres que viveram só com o pai, com ausência prolongada da mãe”.

3- Homens e mulheres de “pais desconhecidos” tinham menos possibilidades de casar-se com alguém do sexo oposto do que os que tinham pai conhecido.

4- Os homens que passaram pela experiência da morte do pai durante a infância ou a adolescência “tinham índices de casamento heterossexual significativamente mais baixos do que aqueles que, por altura dos 18 anos, tinham ambos os pais vivos. Quanto mais cedo morria o pai, menor possibilidade de casamento heterossexual”.

5- Os índices de casais homossexuais eram 36% (para homens) e 26% (para mulheres) mais altos entre aqueles que viveram o divórcio dos pais quando tinham menos de 6 anos de casados do que entre aqueles cujos pais estiveram casados durante os 18 anos da infância e adolescência.

6 – Os homens cujos pais se divorciaram antes de fazerem 6 anos tinham 39% mais de possibilidades de casar-se com outros homens do que os filhos de casais não divorciados.

7- Os homens cuja convivência com ambos os pais terminou antes dos 18 anos tinham entre 55% e 76% mais possibilidades de casar-se com outros homens do que aqueles que viveram com os pais até aos 18 anos.

8- Ser filho único aumenta o risco de homossexualidade. Também o aumenta a idade da mãe. Quanto mais velha for a mãe, maior será a possibilidade de união homossexual dos filhos.

9- Os que nasceram em grandes cidades tinham maior possibilidade de unir-se a uma pessoa do mesmo sexo.

"Quaisquer que sejam os ingredientes que determinam as preferências sexuais e matrimoniais de uma pessoa”, diziam os investigadores, “o nosso estudo baseado na população mostra que as interacções parentais são importantes”.

Morten Frisch y Anders Hviid, "Childhood Family Correlates of Heterosexual and Homosexual Marriages: A National Cohort Study of Two Million Danes", in Archives of Sexual Behavior, 13 de Outubro 2006.
Tradução e adaptação livre de Forum Libertas
SP