terça-feira, 30 de setembro de 2008

A missa segundo Adélia Prado

Poeta e prosadora, Adélia Prado é, com certeza, uma das mais extraordinárias escritoras de língua portuguesa. Tem 71 anos, é brasileira e católica. E no final do ano passado falou sobre a linguagem poética e a linguagem religiosa em Aparecida, São Paulo, no âmbito de uma iniciativa que se intitulou “Vozes da Igreja”. “Missa é como um poema, não suporta enfeite nenhum”, disse ela na ocasião, segundo o relato da Agência Zenit datado do dia 2 de Dezembro.

A missa, afirmou a escritora, ”é a coisa mais absurdamente poética que existe. É o absolutamente novo sempre. É Cristo se encarnando, tendo a sua Paixão, morrendo e ressuscitando. Nós não temos de botar mais nada em cima disso, é só isso”. Às vezes, parece que não é só isso: “Olha, gente, têm algumas celebrações em que a gente sai da igreja com vontade de procurar um lugar para rezar”.

Contou a Agência Zenit que, ao propor a discussão do resgate da beleza nas celebrações litúrgicas, Adélia Prado reconheceu que essa é uma preocupação que a tem ocupado há muitos anos: “Como cristã de confissão católica, eu acredito que tenho o dever de não ignorar a questão”.

A questão do canto usado na liturgia mereceu a atenção da escritora, que julga que muitas vezes ele não ajuda a rezar. “O canto não é ungido, ele é feito, fazido, fabricado. É indispensável redescobrir o canto oração”. Adélia Prado sublinhou que “o canto barulhento, com instrumentos ruidosos, os microfones altíssimos, não facilita a oração, mas impede o espaço de silêncio, de serenidade contemplativa”.

Explica a autora de Solte os Cachorros, título de uma das suas obras editadas em Portugal, “a palavra foi inventada para ser calada. É só depois que se cala que a gente ouve. A beleza de uma celebração e de qualquer coisa, a beleza da arte, é puro silêncio e pura audição”. E o que sucede é que “nós não encontramos mais em nossas igrejas o espaço do silêncio. Eu estou falando da minha experiência, queira Deus que não seja essa a experiência aqui”. “Parece que há um horror ao vazio. Não se pode parar um minuto”, observa Adélia Prado, que insiste: “Não há silêncio. Não havendo silêncio, não há audição. Eu não ouço a palavra, porque eu não ouço o mistério, e eu estou celebrando o mistério”.

Para a escritora, “muitos procedimentos nossos são uma tentativa de domesticar aquilo que é inefável, que não pode ser domesticado, que é o absolutamente outro”. É por o indizível ser de imensa magnitude que faltam as palavras. “E não ter palavras significa o quê? Que existe algo inefável e que eu devo tratar com toda reverência”.

“A liturgia celebra o quê?” À pergunta que formulou, Adélia Prado deu também uma resposta: “O mistério. E que mistério é esse? É o mistério de uma criatura que reverencia e se prostra diante do Criador. É o humano diante do divino. Não há como colocar esse procedimento num nível de coisas banais ou comuns”.

Supor que, para aproximar o povo de Deus, se deve falar o que se julga ser a linguagem do povo, é algo que considera errado pelo que a seguir explica: “Mas o que é a linguagem do povo? É aí que mora o equívoco”. É que não há ninguém que se aproxime com maior reverência do mistério de Deus do que o próprio povo, afirmou, sublinhando que “o próprio povo é aquele que mais tem reverência pelo sagrado e pelo mistério”.

E pergunta Adélia Prado: “Como é que eu posso oferecer a esse povo uma música sem unção, orações fabricadas, que a gente vê tão multiplicadas e colocadas nos bancos das igrejas, e que nada têm a ver com essa magnitude que é o homem, humano, pecador, aproximar-se do mistério?”.

“Barateou-se”, prossegue a escritora, o espaço do sagrado e da liturgia “com letras feias, com músicas feias, comportamentos vulgares na igreja”. Adélia Prado dá alguns exemplos do empobrecimento litúrgico. “Está tão banalizado isso tudo nas nossas igrejas que até o modo de falar de Deus a gente mudou. Fala-se o “Chefão”, “Aquele lá de cima”, o “Paizão”, o “Companheirão”. “Deus não é um ‘Companheirão’, ele não é um ‘Paizão’, ele não é um ‘Chefão’. Eu estou falando de outra coisa. Então há a necessidade de uma linguagem diferente, para que o povo de Deus possa realmente experimentar ou buscar aquilo que a Palavra está anunciando”.

A linguagem religiosa “é a linguagem da criatura reconhecendo que é criatura, que Deus não é manipulável, e que eu dependo dele para mover a minha mão”. Com esse espírito, diz Adélia Prado, “a nossa Igreja pode criar naturalmente ritos e comportamentos, cantos absolutamente maravilhosos, porque verdadeiros”.

Insistindo em que a missa é como um poema e que não suporta enfeites, Adélia Prado considera que a celebração da Eucaristia é perfeita na sua simplicidade. “Nós colocamos enfeites, cartazes por todo lado, procissão disso, procissão daquilo, procissão do ofertório, procissão da Bíblia, palmas para Jesus. São coisas que vão quebrando o ritmo. E a missa tem um ritmo, é a liturgia da Palavra, as ofertas, a consagração… então ela é inteirinha”.

Afirma Adélia Prado: “A arte a gente não entende. Fé a gente não entende. É algo dirigido à terceira margem da alma, ao sentimento, à sensibilidade. Não precisa inventar nada, nada, nada”.

Eduardo Jorge Madureira Lopes

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Encontro de Bento XVI com o mundo da cultura, em Paris


Partindo do monaquismo e da sua busca de Deus, Bento XVI, reconhecendo que os monges não queriam criar uma cultura nova nem conservar uma cultura do passado, afirma que o objectivo deles era muito simples: «no meio da confusão daqueles tempos, em que nada parecia resistir, os monges desejavam a coisa mais importante: dedicarem-se a encontrar aquilo que tem valor e permanece sempre, ou seja, encontrar a própria vida». O seu ser estava voltado para a «escatologia», não no sentido cronológico da palavra, mas no sentido existencial: aquilo que está por detrás do provisório, aquilo que é definitivo. E o caminho para lá chegarem era a Palavra, oferecida aos homens nos livros da Escritura. Por isso: «a busca de Deus requer, intrinsecamente, uma cultura da palavra… O desejo de Deus compreende o amor das letras, o amor da palavra, a sua exploração em todas as dimensões. Dado que na palavra bíblica, Deus está em caminho para nós e nós para Ele, os monges deviam aprender a penetrar os segredos da língua, a compreendê-la na sua estrutura e nos seus usos. Desta forma, por causa da busca de Deus, as ciências profanas, que nos indicam os caminhos para a língua, tornavam-se importantes. Por esta razão, a biblioteca e a escola faziam parte integrante do mosteiro. Estes dois locais abriam concretamente um caminho para a palavra. São Bento chamava ao mosteiro uma escola de serviço do Senhor. «A escola e a biblioteca asseguravam a formação da razão e a erudição, com base na qual o homem aprende a perceber no meio das palavras, a Palavra».
O papa convida, de seguida, a dar mais um passo suplementar: «A Palavra que abre o caminho da busca de Deus e que é, ela mesma esse caminho, é uma Palavra que faz nascer uma comunidade… A Palavra não nos conduz unicamente no caminho de uma mística individual. Introduz-nos na comunidade de todos aqueles que caminham na fé. Por isso é preciso reflectir, não apenas na Palavra, mas lê-la de maneira justa. Tal como na escola rabínica, entre os monges, a leitura realizada por um deles é igualmente um acto corporal. ‘A maior parte das vezes, quando o ler e a lectio são utilizadas sem especificação, designam uma actividade que, tal como o canto e a escrita, ocupa todo o corpo e todo o espírito’, diz Dom Leclercq.»
É preciso ainda dar outro passo. «A Palavra de Deus introduz-nos ela própria num diálogo com Ele. O Deus que fala na Bíblia ensina-nos como Lhe podemos falar. Sobretudo nos Salmos, dá-nos as palavras com que nos podemos dirigir a Ele. Neste diálogo, nós apresentamos-Lhe a nossa vida, com os seus altos e os seus baixos, e transformamo-la num movimento para Ele. Os Salmos contêm, em muitos locais, instruções sobre a maneira como devem ser cantados e acompanhados pelos instrumentos musicais. Para rezar com base na Palavra de Deus, não basta a simples labialização. A música é necessária. Dois cânticos da liturgia cristã derivam de textos bíblicos que os colocam nos lábios dos Anjos: o Glória, que é cantado uma primeira vez pelos Anjos no nascimento de Jesus, e o Sanctus que, segundo Isaías 6, é a aclamação dos Serafins, que estão na proximidade imediata de Deus. A esta luz, a Liturgia cristã é um convite a cantar com os anjos e a dar à palavra a sua mais alta função: - cantar, na oração comunitária, na presença de toda a corte celeste, e, assim, estar submetido à medida suprema: rezar e cantar para se unir à música dos espíritos sublimes, que eram considerados como os autores da harmonia do cosmos, da música das suas esferas.»
Cantar menos bem é cair na dissemelhança de Deus, num afastamento de Deus, onde o homem já não reflecte Deus, tornando-se dissemelhante da natureza divina de que é imagem, mas também dissemelhante da sua verdadeira natureza de homem. Para São Bento, a cultura da Palavra confiada ao homem tem como imperativo uma beleza real. «Desta exigência capital de falar de Deus e de O cantar com as palavras que Ele mesmo lhe deu, nasceu a grande música ocidental. Não era caso de criatividade pessoal, em que o indivíduo toma como critério essencial a representação do seu próprio eu, e se erige a ele próprio em monumento. Tratava-se mais bem de reconhecer atentamente, com ‘os ouvidos do coração’, as leis constitutivas da harmonia musical da criação, as formas essenciais da música emitida pelo Criador no mundo e no homem, e de inventar uma música digna de Deus que seja, ao mesmo tempo, autenticamente digna do homem e que proclame altamente esta dignidade.»
Ajudando a aprofundar nesta direcção de escuta da Palavra, Bento XVI recorda que «…a Bíblia não é um simples livro, mas uma recolha de textos literários cuja redacção se estende por mais de mil anos e em que os diferentes livros não são facilmente reconhecíveis como constituintes de um corpo unificado. Pelo contrário, há tensões visíveis entre eles. É o caso na Bíblia de Israel, que nós chamamos Antigo Testamento, e mais ainda quando nós os cristãos ligamos o Novo testamento e os seus escritos à Bíblia de Israel, interpretando-a como um caminho para Cristo. Com razão, no Novo Testamento, a Bíblia não é chamada de maneira habitual Escritura, mas ‘Escrituras’ que, todavia, serão consideradas, no seu conjunto, como a única Palavra de Deus que nos é dirigida. Este plural significa já claramente que a Palavra de Deus nos chega somente através da palavra humana, através de palavras humanas, isto é, que Deus nos fala somente na humanidade dos homens, e através das suas palavras e da sua história. Isto significa que o aspecto divino da Palavra e das palavras não é imediatamente perceptível. Dizendo-o de maneira moderna: a unidade dos livros bíblicos e o carácter divino das suas palavras não são perceptíveis desde um ponto de vista puramente histórico. O elemento histórico apresenta-se no múltiplo e no humano. O que explica que exista um díptico medieval que nos diz que a letra mostra os factos, mas que aquilo que se deve crer o mostra a alegoria, ou seja, o que é fruto da interpretação cristológica e pneumática.
Dizendo-o de uma maneira mais simples: a Escritura tem necessidade da interpretação, e precisa da comunidade em que se formou e em que é vivida. Nela tem a sua unidade e nela se desprende o sentido que unifica o todo. Dito ainda de outra maneira: existem dimensões do significado da Palavra e das palavras que se desvelam apenas na comunhão vivida desta Palavra que cria a história. Através da crescente percepção da pluralidade de sentidos, a Palavra não é desvalorizada, mas aparece, pelo contrário, em toda a sua grandeza e toda a sua dignidade». Por isso se afirma com razão que o Cristianismo não é uma religião do livro. «O cristianismo capta nas palavras a Palavra, o próprio Logos, que desvenda o seu mistério através de tal multiplicidade e da realidade de uma história humana. Esta estrutura especial da Bíblia é um desafio sempre novo para cada geração. Pela sua própria natureza, ela exclui tudo aquilo que hoje se chama fundamentalismo.
Bento XVI refere como o carácter crucial desta maneira de interpretar a Bíblia foi bem compreendido por São Paulo ao afirmar em 2 Cor 3, 6 : «a letra mata, mas o Espírito dá a vida» e que «lá onde está o Espírito… está a liberdade» (3, 17). Mas este Espírito que torna livre não se deixa reduzir à ideia ou à visão pessoal daquele que interpreta. O Espírito é Cristo, e Cristo é o Senhor que nos mostra o caminho. O que impede as derivas subjectivistas e o fanatismo fundamentalista. «Seria fatal se a cultura europeia de hoje compreendesse a liberdade como ausência total de vínculos, assim favorecendo, inevitavelmente, o fanatismo e a arbitrariedade. A falta de vínculos e a arbitrariedade não são a liberdade, mas a sua destruição».
A reflexão seria incompleta se se ativesse à Palavra, ao «Ora». A segunda componente do monaquismo é o «Labora». Diferentemente do mundo grego, que desprezava o trabalho manual, considerando-o como obra dos escravos, quer os rabinos, quer Paulo, mostraram bem a dignidade do trabalho, sendo Paulo um fabricante de tendas. Se o mundo greco-romano não conhecia um Deus criador, sendo o trabalho confiado ao demiurgo, «o Deus da Bíblia é muito diferente: Ele, o Uno, o Deus vivo e verdadeiro, é ao mesmo tempo o Criador. Deus trabalha, e continua a operar na e sobre a história dos homens. E em Cristo, Ele entra como Pessoa no trabalho fatigante da história… O Trabalho dos homens aparece como uma expressão particular da sua semelhança com Deus que torna o homem participante da obra criadora de Deus no mundo. Sem esta cultura do trabalho que, com a cultura da palavra, constitui o monaquismo, o desenvolvimento da Europa, o seu ethos e a sua formação do mundo são impensáveis. A originalidade deste ethos deveria doravante fazer compreender que o trabalho e a determinação da história pelo homem são uma colaboração com o Criador, que têm n’Ele a sua medida. Lá onde esta medida falta e lá onde o homem se converte a ele mesmo em criador deiforme, a transformação do mundo pode facilmente chegar à sua destruição».
A atitude dos monges, orientados pela Palavra, era uma verdadeira atitude filosófica: olhar para além das realidades penúltimas e procurar as realidades últimas, as verdadeiras. A direcção a seguir era a palavra da Bíblia, na qual escutavam Deus, devendo esforçar-se por O compreender para poder chegar até Ele. «O anúncio da Palavra é necessário. Ela dirige-se ao homem e forja nele uma convicção que se pode tornar vida. E para que se possa abrir um caminho no coração da palavra bíblica enquanto Palavra de Deus, esta mesma Palavra deve ser anunciada abertamente» para poder dar razão da sua fé: «Deveis sempre estar preparados para vos explicardes diante de todos aqueles que vos pedem que deis conta (logos) da esperança que existe em vós 2 Ped 3, 15. (O Logos, a razão da esperança, deve fazer-se apo-logia, deve chegar a ser resposta). De facto, os missionários da igreja nascente não consideravam o seu anúncio missionário como uma propaganda que devesse servir para aumentar a importância do seu grupo, mas como uma necessidade intrínseca que derivava da natureza da sua fé. O Deus em que acreditavam era o Deus de todos, o Deus Uno e Verdadeiro que se tinha mostrado na história de Israel e finalmente em seu Filho, dando assim a resposta que tinha em conta a todos e que, no seu íntimo, todos os homens esperam. A universalidade de Deus e a universalidade da razão aberta a Ele constituíam para eles a motivação e, ao mesmo tempo, o dever de anunciar. Para eles, a fé não dependia dos hábitos culturais, que são diferentes segundo os povos, mas do âmbito da verdade que tem igualmente em conta a todos.»
Quando Paulo prega no Areópago, um tribunal competente em matéria de religião e que devia opor-se à intrusão de religiões estrangeiras, ele é acusado precisamente por pregar divindades desconhecidas e estrangeiras ( Act 17, 18). A tal acusação replica Paulo: «Eu encontrei um altar com esta inscrição: ‘Ao deus desconhecido’. Ora, aquilo que vós venerais sem o conhecer é o que eu venho anunciar-vos (cf. A7, 23). Paulo não anuncia deuses desconhecidos. Ele anuncia Aquele que os homens ignoram e todavia conhecem: o Ignoto-Conhecido. É Aquele que eles procuram e do qual, no fundo, têm conhecimento e que é, todavia, o Ignoto e o Incognoscível. No mais profundo do pensamento e do sentimento humano, sabe-se, de certo modo, que Ele tem que existir. Que na origem de todas as coisas deve estar, não a irracionalidade, mas a Razão criadora; não o cego destino, mas a liberdade. Todavia, embora todos os homens o saibam de alguma maneira, este conhecimento permanece ambíguo: um deus só pensado e elaborado pelo espírito humano não é o verdadeiro Deus. Se Ele não se revela, nós não chegamos até Ele. A novidade do anúncio cristão é a possibilidade dizer agora a todos os povos: Ele revelou-se. Ele, pessoalmente. A novidade do anúncio cristão não consiste num pensamento, mas num facto: Ele revelou-se. Isto não é um facto cego, mas um facto que, em si mesmo, é Logos – presença da Razão eterna na nossa carne. Verbum caro factum est (Jn 1, 14): é assim verdadeiramente na realidade: o Logos está presente no meio de nós. É um facto racional. Todavia, a humildade da razão é sempre necessária para o poder acolher. É necessária a humildade do homem para responder à humildade de Deus».
A brilhante alocução de Bento XVI termina afirmando que a situação presente da humanidade tem muitos aspectos análogos aos do Areópago. E se não há cidades cheias de imagens de deuses, há o facto incontestável de que «Deus se tornou verdadeiramente o grande desconhecido. E apesar de tudo, como outrora, em que por detrás de numerosas representações de deuses, estava escondida e presente a questão do Deus desconhecido, também hoje, a actual ausência de Deus está também tacitamente inquieta pela pergunta sobre Ele. Procurar Deus e deixar-se encontrar por Ele, não é hoje menos necessário que no passado. Uma cultura puramente positivista, que circunscrevesse ao campo subjectivo, como não científica, a pergunta sobre Deus, seria a capitulação da razão, a renúncia às suas possibilidades mais elevadas e, portanto, um fracasso do humanismo cujas consequências só podem ser muito graves. Aquilo que fundou a cultura da Europa, a procura de Deus e a disponibilidade para O escutar, permanece, ainda hoje, o fundamento de toda a verdadeira cultura.»

Carlos Nuno Vaz

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Pagamento do Reino é igual para todos



Comentário do Padre Raniero Cantalamessa, OFM Cap., Pregador da Casa Pontifícia, sobre a Liturgia da Palavra deste domingo.

XXV Domingo do Tempo Comum: Isaías 55, 6-9; Filipenses 1, 20c-27a; Mateus 20, 1-16a


“Ide vós também para a minha vinha”

A parábola dos trabalhadores enviados à vinha em horas diferentes do dia sempre gerou grande dificuldade aos leitores do Evangelho. É aceitável a maneira de actuar do dono, que dá o mesmo pagamento para quem trabalhou uma hora e para quem trabalhou uma jornada inteira? Ele não viola o princípio da justa recompensa? Os sindicatos hoje se rebelariam contra quem comportasse como esse patrão.A dificuldade nasce de um equívoco. Considera-se o problema da recompensa em abstracto e em geral, ou em referência à recompensa eterna no céu. Visto assim, realmente haveria uma contradição com o princípio segundo o qual Deus "dá para cada um segundo suas obras" (Rm 2, 6). Mas Jesus se refere aqui a uma situação concreta, a um caso bem preciso: o único denário que é dado a todos é o Reino dos Céus que Jesus trouxe à terra; é a possibilidade de entrar para fazer parte da salvação messiânica. A parábola começa dizendo: "O Reino dos céus é como a história do patrão que saiu de madrugada...".O problema é, mais uma vez, o da postura dos judeus e dos pagãos, ou dos justos e dos pecadores, frente à salvação anunciada por Jesus. Ainda que os pagãos (respectivamente, os pecadores, os publicanos, as prostitutas, etc.) só diante da pregação de Jesus se decidiram por Deus, enquanto antes estavam afastados ("ociosos"), não por isso ocuparão no Reino um lugar diferente e inferior. Eles também se sentarão à mesma mesa e gozarão da plenitude dos bens messiânicos. E mais, como eles se mostraram mais dispostos a acolher o Evangelho que os chamados "justos", realiza-se o que Jesus diz para concluir a parábola de hoje: "os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos".Uma vez conhecido o Reino, ou seja, uma vez abraçada a fé, então sim há lugar para a diversificação. Então já não é idêntico o destino de quem serve Deus durante toda a vida, fazendo render ao máximo seus talentos, com relação a quem dá a Deus só as sobras de sua vida, com uma confissão remediada, de alguma forma, no último momento.A parábola contém também um ensinamento de ordem espiritual da máxima importância: Deus chama todos e chama em todas as horas. O problema, em suma, é o chamado, e não tanto a recompensa. Esta é a forma com que nossa parábola foi utilizada na exortação de João Paulo II sobre a "vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo" (Christifideles laici): "Os fiéis leigos pertencem àquele Povo de Deus que é representado na imagem dos trabalhadores da vinha (...). Ide vós também. A chamada não diz respeito apenas aos Pastores, aos sacerdotes, aos religiosos e religiosas, mas estende-se aos fiéis leigos: também os fiéis leigos são pessoalmente chamados pelo Senhor" (n. 1-2).Quero chamar a atenção sobre um aspecto que talvez seja marginal na parábola, mas que é muito vivo na sociedade moderna: o problema do desemprego. À pergunta do proprietário: "Por que estais aí o dia inteiro desocupados?", os trabalhadores respondem: "Porque ninguém nos contratou". Esta resposta poderia ser dada hoje por milhões de desempregados.Jesus não era insensível a este problema. Se Ele descreve tão bem a cena é porque muitas vezes seu olhar havia pousado compassivamente sobre aqueles grupos de homens sentados no chão, ou apoiados em uma porta, com um pé na parede, à espera de serem contratados. Esse proprietário sabe que os operários da última hora têm as mesmas necessidades que os outros; também eles têm filhos para alimentar, como os da primeira hora. Dando a todos o mesmo pagamento, o proprietário mostra levar em conta não só o mérito, mas também a necessidade.
As nossas sociedades capitalistas baseiam a recompensa unicamente no mérito (com frequência mais nominal que real) e no tempo de serviço, e não nas necessidades da pessoa. No momento em que um jovem operário ou um profissional tem mais necessidade de ganhar para construir uma casa e uma família, seu pagamento é o mais baixo, enquanto que no final da carreira, quando já se tem menos necessidade, a recompensa (especialmente em certas categorias sociais) chega às nuvens. A parábola dos operários da vinha nos convida a encontrar um equilíbrio mais justo entre as duas exigências, do mérito e da necessidade.
[Helena Gonçalves]

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Moral racional e moral religiosa

Guido Renei, c. 1624, Moisés e as Tábuas da Lei

Em vez de “moral”, poderia ter escrito “ética”, dado que, no que se segue, usarei os dois termos como sinónimos. O termo “ética” vem do grego e foi criado por Aristóteles, enquanto “moral” provém do latim, tendo sido criado por Cícero para traduzir o termo “ética” – o que já nos sugere o papel criador que os latinos tiveram nesta área da filosofia, ao contrário do que aconteceu, dum modo geral, nos outros domínios filosóficos, onde pouco mais foram que tradutores[1] “colonizados” pela sua colónia helénica.
As questões suscitadas pelo confronto entre éticas laicas ou racionais e éticas religiosas têm sido bastante debatidas nos últimos decénios. Marciano Vidal, o moralista espanhol mais em evidência na actualidade, no artigo em que deu a conhecer a sua mais recente obra, a Nueva Moral Fundamental. El lugar teológico de la Ética, exprime a opinião de que os debates “entre la ‘ética de la fé’ y la ‘moral de la autonomía teónoma’” são “un camino ya totalmente recorrido; permanecer en él nos mantendría en inútiles polémicas y nos conduciría a escasos resultados”[2]. Talvez essa opinião corresponda à realidade espanhola; para os leitores portugueses não penso que seja inútil apresentar aqui o consenso bastante alargado a que esses debates conduziram.
O ponto de partida é um dado de facto: a existência de morias elaboradas por diversos pensadores e de morais propostas pelas várias religiões. Todos os grandes filósofos se ocuparam com a dimensão ética da vida humana e todas as religiões têm uma componente moral, um sistema de regras de conduta, mais ou menos claramente relacionado com a componente doutrinal. Em todas elas o “indicativo” dogmático fundamenta “imperativos” morais.
Noto, de passagem, que se compararmos essas morais de inspiração religiosa com as morais filosóficas elaboradas por diversos autores e veiculadas por escolas e correntes, verificamos que foram as morais religiosas que maior influência tiveram na vida dos homens e das sociedades. O que dá que pensar e importa ter em conta.
Nas religiões que se pretendem originadas numa revelação, nomeadamente as três grandes religiões monoteístas – Judaísmo, Cristianismo e Islamismo – muitas prescrições morais são mesmo atribuídas à divindade. E a partir dessas normas morais de pretendida origem divina – as “morais religiosas” em sentido estrito – foram-se elaborando as morais religiosas em sentido amplo, as quais englobam – com diverso grau de autoridade – quer as normas atribuídas directamente à divindade quer as que resultam de elaboração humana a partir daquelas[3]. Tal acontece de modo particularmente claro no âmbito das confissões cristãs e, muito claramente, no campo católico, com a chamada teologia moral ou moral teológica.
Na medida em que a ética religiosa atribui a sua primeira origem à divindade, parece implicar uma certa heteronomia: não provindo a lei do homem, mas de outrem, vem de “fora” dele. Nessa mesma medida, uma ética religiosa parece incompatível com uma ética secular, “humana”. Muitos assim pensam e, consequentemente, julgam que a relação entre ética religiosa e ética secular se põe em termos de alternativa: ou uma ou outra.
Na realidade não é assim, se se tiver em conta uma correcta concepção acerca de Deus e das relações entre as criaturas e o Criador. O Criador é certamente “outro”, diferente – e tanto! – da criatura, do ser humano. É-lhe transcendente. Mas, precisamente porque é Criador, não lhe é “exterior”, mas antes radicalmente imanente – “mais interior a mim mesmo do que o meu próprio íntimo”, dirá S. Agostinho: intimior intimo meo. Fonte e origem do ser da criatura, Deus não se lhe pode considerar “exterior” e, portanto, “rival”. Por esta razão, a sua “lei” não é heterónoma[4] relativamente ao homem, não se lhe contrapõe como outra lei do mesmo nível, mas antes, porque “teónoma”, transcende-a. Por esse mesmo motivo, a lei do homem deve dizer-se verdadeira, embora subordinadamente, “autónoma”, verdadeira lei do homem. É isto que a tradicional doutrina escolástica pretende exprimir ao dizer que a lei moral natural é a “participação formal da lei divina na criatura racional”[5].
A existência de uma moral “religiosas” – quer, no sentido estrito, limitada às normas de que a própria divindade teria sido directamente autora, quer no sentido mais amplo acima rferido – não invalida, por conseguinte, a existência de uma moral “racional” ou simplesmente “humana”, moral que prescinde de qualquer fundamentação revelada e até de uma explícita fundamentação teísta, uma moral autónoma, portanto. Muito pelo contrário: qualquer moral religiosa pressupõe, como indispensável condição de possibilidade, a moral “humana” ou “natural”. Sem poder descer aqui a grandes desenvolvimentos, limito-me de momento a observar o seguinte: mesmo uma ordem directamente recebida de Deus só se apresentará como vinculativa para quem perceba que deve obedecer-lhe; ora percebê-lo é, no fundo, perceber que isso é que é bem e o contrário mal; por outras palavras, é ter o sentido moral, considerar que “o bem é a fazer e o mal a evitar”, formulação que condensa a exigência ética básica e global.
A teonomia da moral religiosa não suprime, pois, a autonomia da moral humana[6]. Afirmar que a moral encontra no Absoluto, em Deus, o seu último fundamento[7] não compromete a autonomia racional da moral. Por outras palavras: a questão “ética religiosa/ética secular” não se põe em termos de alternativa, ou uma ou outra, mas, se bem entendida, afirma a compatibilidade de ambas: ética religiosa e ética secular.
Mais ainda: a teologia moral tem muito de elaboração racional, pois que, também no campo moral, a teologia é, como a definiu magistralmente S. Anselmo, fides quaerens intellectum, a actividade do crente em busca da inteligibilidade da sua fé. “Relativamente à teologia moral, a ética(como filosofia natural) não se situa simplesmente antes dela ou ao seu lado, actua-se antes no interior dela mesma”(J. Fuchs)[8]
O que certamente não parece admissível é uma ética que, de um modo ou de outro, não reconheça carácter absoluto ao valor moral e, nesse sentido – mas só nesse sentido - , que ele tenha algo de “religioso”. (continua)

Roque Cabral S.J., Brotéria vol.166(Fevereiro 2008)
[1] Constitui significativa excepção, além da área da ética, a do direito, intimamente a ela ligado.
[2] MARCIANO VIDAL, “Porqué he escrito una ‘Nueva Moral Fundamental”, Moralia XXIII, 2000, 513-526. A passagem citada encontra-se na p. 516.
[3] Não é fácil saber como determinada religião chegou a promover a sua moral particular, com o seu preciso sistema normativo: surgiu este directamente do apelo divino? Ou procede só da reflexão racional de uma dada sociedade, da “razão legisladora” do homem (Kant)?
[4] Um crente cristão esclarecido, em vez de dizer que Deus “manda”, considerará mais exacto dizer que Deus “funda” os mandamentos, está na origem da exigência de sentido e de coerência que habita toda a busca moral. O homem foi capaz de perceber na revelação um apelo a moralizar-se porque se percebeu a si msmo como um ser ético que procura humanizar-se. Cf. X. THÉVENOT, “Étique Chrétienne”, em Paul POUPARD, Dictionnaire des Religions, PUF, 536-538.
[5] Desenvolvi esta temática no artigo “Lei ou Legislador?”, publicado na Revista Portuguesa de Filosofia LII(1996)179-184. Aí mostro que, em diferentes sentidos, deve dizer-se que a pessoa humana é súbdito da lei moral e seu legislador, embora subordinado.
[6] Esta é a razão pela qual qualquer Extrinsecismo ético é insustentável, porque baseado numa petição de princípio.
[7] Notar o seguinte: dizer que a moral se fundamenta ontologicamente em Deus não é dizer que ela requer o conhecimento explícito dessa fundamentação e, portanto, de Deus(B. SCHÜLLER, “Sittliche Forderung und Erkenntnis Gottes”, in Gregorianum 59(78) 5-37.
[8] J. FUCHS, Esiste una morale cristiana? Questioni critiche in un tempo di secolarizzazione, Herder, Morcelliana, Roma e Brescia, 1970
[Silva Pereira]

sábado, 13 de setembro de 2008

Meditação de Bento XVI na conclusão da vigília mariana realizada hoje em Lourdes [extractos]

[...] La procession aux flambeaux, traduit à nos yeux de chair, le mystère de la prière : dans la communion de l'Église, qui unit élus du ciel et pèlerins de la terre, la lumière jaillit du dialogue entre l'homme et son Seigneur et une route lumineuse s'ouvre dans l'histoire des hommes, y compris dans ses moments les plus obscurs. Cette procession est un moment de grande joie ecclésiale, mais aussi un temps de gravité : les intentions que nous apportons soulignent notre profonde communion avec tous les êtres qui souffrent. Nous pensons aux victimes innocentes qui subissent la violence, la guerre, le terrorisme, la famine, des injustices, des fléaux et des calamités, la haine et des oppressions, des atteintes à leur dignité humaine et à leurs droits fondamentaux, à leur liberté d'agir et de penser ; nous pensons aussi à ceux qui connaissent des problèmes familiaux, ou qui éprouvent une souffrance face au chômage, à la maladie, à l'infirmité, à la solitude, à leur situation d'immigrés. Je désire ne pas oublier ceux qui souffrent à cause du nom du Christ et qui meurent pour Lui.

Marie nous apprend à prier, à faire de notre prière un acte d'amour pour Dieu et de charité fraternelle. En priant avec Marie, notre cœur accueille ceux qui souffrent. Comment notre vie ne peut-elle pas ensuite en être transformée ? Pourquoi notre être et notre vie tout entière ne deviendraient-ils pas des lieux d'hospitalité pour nos prochains ? Lourdes est un lieu de lumière parce que c'est un lieu de communion, d'espérance et de conversion.

À la tombée de cette nuit, Jésus nous dit : « Gardez vos lampes allumées » (Lc 12, 35) ; lampe de la foi, lampe de la prière, lampe de l'espérance et de l'amour ! Cet acte de marcher dans la nuit, en portant la lumière, parle fort au plus intime de nous-mêmes, touche notre cœur et dit bien plus que tout autre parole prononcée ou entendue. Ce geste résume à lui seul notre condition de chrétiens en chemin : à la fois, nous avons besoin de lumière et nous sommes appelés à devenir lumière. Le péché nous rend aveugles, il nous empêche de nous proposer comme guides pour nos frères, et il nous amène à nous méfier d'eux pour nous laisser conduire. Nous avons besoin d'être éclairés et nous répétons la supplication de l'aveugle Bartimée : « Maître, fais que je voie ! » (Mc 10, 51). Fais que je voie mon péché qui m'entrave, mais surtout, Seigneur, fais que je voie ta gloire ! Nous le savons : notre prière a déjà été exaucée et nous rendons grâce car, comme le dit saint Paul dans sa Lettre aux Éphésiens : « le Christ t’illuminera » (Ep 5, 14), et saint Pierre ajoute : « il vous a appelés des ténèbres à son admirable lumière » (1 P 2, 9).

À nous qui ne sommes pas la lumière, le Christ peut désormais dire : « Vous êtes la lumière du monde » (Mt 5, 14), nous confiant le soin de faire resplendir la lumière de la charité. Comme l'écrit l'Apôtre saint Jean : « Celui qui aime son frère demeure dans la lumière et il n'y a en lui aucune occasion de chute » (1 Jn 2, 10). Vivre l'amour chrétien, c'est tout à la fois faire entrer la lumière de Dieu dans le monde et en indiquer la véritable source. Saint Léon le Grand l'écrit : « Quiconque, en effet, vit pieusement et chastement dans l'Église, qui songe aux choses d'en haut, non à celles de la terre (cf. Col 3, 2), est d'une certaine façon semblable à la lumière céleste ; tant qu'il observe lui-même l'éclat d'une sainte vie, il montre à beaucoup, comme une étoile, la voie qui mène à Dieu » (Sermon III, 5).

En ce sanctuaire de Lourdes vers lequel les chrétiens du monde entier ont les yeux tournés depuis que la Vierge Marie y a fait briller l'espérance et l'amour en donnant aux malades, aux pauvres et aux petits la première place, nous sommes invités à découvrir la simplicité de notre vocation : il suffit d'aimer.

Demain la célébration de l'exaltation de la Sainte Croix nous fera entrer précisément au cœur de ce mystère. En cette veillée, notre regard se tourne déjà vers le signe de l'Alliance nouvelle où toute la vie de Jésus converge. La Croix constitue le suprême et parfait acte d’amour de Jésus qui donne sa vie pour ses amis. « Ainsi faut-il que le Fils de l'homme soit élevé, afin que tout homme qui croit obtienne par lui la vie éternelle » (Jn 3, 14-15).

Annoncée dans les Chants du Serviteur de Dieu, la mort de Jésus est une mort qui devient lumière pour les peuples ; c'est une mort qui, en lien avec la liturgie d'expiation, apporte la réconciliation, mort qui marque la fin de la mort. Dès lors, la Croix est signe d'espérance, l'étendard de la victoire de Jésus « car Dieu a tant aimé le monde qu’il a donné son Fils unique : ainsi tout homme qui croit en lui ne périra pas, mais il obtiendra la vie éternelle » (Jn 3, 16). Par la Croix, notre vie tout entière reçoit lumière, force et espérance. Par elle, est révélée toute la profondeur de l'amour contenu dans le dessein originel du Créateur ; par elle, tout est guéri et porté à son accomplissement. C'est pourquoi la vie dans la foi au Christ mort et ressuscité devient lumière.

Les apparitions étaient entourées de lumière et Dieu a voulu allumer dans le regard de Bernadette une flamme qui a converti d'innombrables cœurs. Combien de personnes viennent ici pour voir, espérant peut-être secrètement bénéficier de quelque miracle ; puis, sur la route du retour, ayant fait une expérience spirituelle d'une vie en Église, elles changent leur regard sur Dieu, sur les autres et sur elles-mêmes. Une petite flamme nommée espérance, compassion, tendresse les habite. La rencontre discrète avec Bernadette et la Vierge Marie peut changer une vie, car elles sont présentes, en ce lieu de Massabielle, pour nous conduire au Christ qui est notre vie, notre force et notre lumière. Que la Vierge Marie et sainte Bernadette vous aident à vivre en enfants de lumière pour témoigner, chaque jour de votre vie, que le Christ est notre lumière, notre espérance et notre vie !

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Correcção fraterna

Prolongando os ecos do evangelho do 23º Domingo, partilho estas reflexões de Atilano Alaiz, em «El Don de la Palabra – Ciclo A», pp. 222 – 223:
«Somos responsáveis dos outros diante de Deus. Esta responsabilidade leva consigo a exigência de ajuda em duas direcções: corrigindo e animando. Tão importante ou mais que corrigir é animar o grupo, a comunidade, a família… O irmão necessita da nossa aprovação, da nossa palmada no ombro. Não se trata de adular, mas de estimular.
O membro da família ou da comunidade necessita que lhe reconheçamos os seus carismas, que lhe agradeçamos os seus serviços e o testemunho da sua generosidade; que o confirmemos nos seus esforços, que o alentemos nas suas dificuldades, que valorizemos a sua pessoa e o seu actuar.
A correcção fraterna é uma instância da caridade pessoal e do crescimento comunitário. É uma palavra que o Espírito põe nos nossos lábios para que sejamos mediadores de salvação. Converte-se em palavra de perdição quando degenera em murmuração…..
Que dizer da correcção entre familiares e amigos? Não é certo que, na sociedade, desgraçadamente, muitos adulam por diante e criticam por detrás? Próprio do cristão é ter coragem para corrigir fraternalmente por diante, e elogiar por detrás.
Afirma o bispo Casaldáliga: «Feliz aquele que sabe que seguir a Jesus é viver em comunidade, sempre unido ao Pai e aos irmãos. Não te enganes: quem se afasta da comunidade em busca de vantagens pessoais, afasta-se de Deus; quem procura a comunidade, encontra o Senhor».

Carlos Nuno Vaz

domingo, 7 de setembro de 2008

Um novo encontro Fé - Arte



PÚBLICO - São João Damasceno dizia: "Se encontrares um pagão, leva-o a uma igreja ornamentada para ver os ícones, a pintura, para mostrar a fé". Hoje já não se pode fazer isto?
GIANFRANCO RAVASI - Pode fazer-se ainda, apenas na base do passado. O grande património da tradição artística ocidental é expressão, sobretudo, da fé e da Bíblia. No coração das cidades de Portugal está sempre a catedral e museus feitos com obras e peças de temas religiosos. Foi na questão do presente que eu quis começar a intervir. Não tanto para adoptar formas artísticas de artesanato, que têm a sua dignidade, e construir uma nova linguagem sobre essas artes menores. Quero que a grande arte e os grandes artistas, nomes fundamentais da arte contemporânea que não se interessam por temas religiosos, voltem de novo a olhar para lá da fronteira. Será um benefício para nós, mas também para eles, porque perderam grandes temas, grandes símbolos, grandes narrativas. Não se preocupam senão com interpretar o real, tantas vezes esgotado ou, pelo menos, ligado sobretudo à exterioridade ou à ausência das grandes perguntas.
E uma realidade feia, por vezes?
Sim, por vezes, com a violência, a ruptura ou mesmo a pura materialidade e o realismo. Por isso será também um serviço que lhes faremos.
Mas há muita gente na Igreja que vê a arte contemporânea como algo estranho, feio, escandaloso, mesmo obsceno...
É verdade. Precisamente por isso, é necessário começar uma viagem, que será longa, para tentar tecer de novo o diálogo, depois do divórcio que houve com os artistas. Mas também para fazer compreender ao fiel que entra numa igreja a necessidade de uma nova linguagem, que não é apenas a do artesanato, de pinturas modestas de artistas locais, mas que é também a tentativa de fazer alguma coisa que fique na história.
Isto acontece já na arquitectura, com igrejas feitas por grandes arquitectos - algumas mesmo belas igrejas. Inicialmente, os fiéis têm perante elas alguma estranheza, mas depois, progressivamente, entram e percebem a beleza de uma igreja feita por Álvaro Siza, Richard Meier, Mario Botta, Renzo Piano, Tadao Ando.
Falta a música, a pintura...
Sim, faltam as artes, a escultura, um pouco a literatura...
A experimentação na arte contemporânea não é, então, estranha?
Não. Fazer obras para o culto obriga a ter em conta o contexto. Começaremos com obras não necessariamente já litúrgicas, mas que sejam obras espirituais.
De reflexão humana?
Sim, sobre os grandes símbolos e grandes temas. Penso escolher, com uma comissão criada para o efeito, artistas que tenham já alguma sensibilidade. Alguns nomes em que penso: Bill Viola, dos Estados Unidos, Anish Kapoor, da Índia, Cunnellis, da Europa, artistas de grande nível e que têm já dentro de si o desejo de interrogar-se, mas que não afrontaram ainda temas estritamente religiosos.

Excerto da entrevista de António Marujo a D.Gianfranco Ravasi (Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura) Público 04.09.2008 (caderno P2)

quinta-feira, 4 de setembro de 2008


Wilfried Schwabe, 2007

« Cristo não é, primeiramente, o mediador entre os homens e Deus. Cristo é, primeiramente, o mediador entre cada eu consigo mesmo, permitindo a cada eu ser um eu. Esta não é uma relação abstracta, redutível a uma conceptualização formal. Há, já o dissemos, uma existência fenomenológica, uma carne. Se é a ipseidade originária do Arqui-Filho que edifica o eu, unindo o eu consigo mesmo, esta relação unificadora é também o alimento que apascenta as ovelhas, as nutre e lhes assegura o crescimento, porque o eu unificado consigo acresce-se e engrandece-se. Este acréscimo em qualquer possível eu, esta auto-afecção que toca o eu em toda a extensão do seu ser é o corpo, a carne fenomenológica, o corpo vivo. Sou-me dado a mim mesmo, neste corpo vivo e assim sou um eu, sou o meu eu. Mas, não sou eu que me dou a mim, não sou eu que me unifico. Eu não sou a porta que me abre a mim mesmo. Eu não sou a erva que me alimenta e me faz crescer. No meu corpo sou-me dado, mas eu não me dou o meu corpo. A minha carne, o meu corpo vivo é o de Cristo. É o que diz Aquele que João cita: «Eu sou a porta: aquele que entrar por mim… entrará e sairá e encontrará pastagens» (Jo 10, 9)".

Michel Henry, Eu sou a verdade, Ed. Vega, 1998, 120-121.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Conta-se que…



Um Ancião recebeu, certa vez, a visita de alguns amigos:

- Gostaríamos muito que nos ensinasses aquilo que aprendeste todos estes anos – disse um deles.

- Estou velho – respondeu o Homem.

- O que conversas com Deus? Quais são as coisas importantes que devemos pedir?

O homem sorriu.

- No começo, eu tinha o fervor da juventude, que acredita no impossível. Então eu pedi que me desse forças para mudar a humanidade. Aos poucos, vi que era uma tarefa para além das minhas forças. Então comecei a pedir forças para mudar o que estava à minha volta.

- Neste caso, podemos garantir que parte do teu desejo foi atendido – disse um dos amigos – o teu exemplo serviu para ajudar muita gente.

- Ajudei muita gente com o meu exemplo; mesmo assim sabia que não era o pedido.Só agora, no final da minha vida, é que entendi o pedido que devia ter feito logo desde o início.

- E qual é esse pedido?

- Que eu fosse capaz de me mudar a mim mesmo.


[Maria Helena Gonçalves]

Para Te servir

Sendo este o Ano Jubilar Paulino, é natural ter presente o Apóstolo dos povos: o seu ardor, a sua incansável peregrinação missionária, a sua pregação aos gentios (oportuna e inoportunamente), a sua ousadia e destemor…
A propósito, veio-me à lembrança um poema que escrevi, há mais de uma dezena de anos, num momento de enorme ardor apostólico. Ouso partilhá-lo hoje convosco. Julgo que ele diz bem o ardor que já nos possuiu, a todos nós, em algum momento. E ainda possui! Por isso cá estamos… Uma chama destas não se extingue facilmente! Mas… como todas as chamas sujeitas aos efeitos das “intempéries”, sofre oscilações na sua intensidade… De vez em quando, precisa de ser espevitada…


Para Te servir!


Para te servir, Senhor,
eu queria ser
ponte, estrada, rio,
luz do sol ao nascer,
vento, calor e frio,
nuvem no céu a correr…

Se eu fosse ponte levaria,
tanta gente para o Teu lado
que, por certo, ficaria
deserto o outro lado!

Se eu fosse luz do sol ao nascer
faria com que te vissem
mesmo os que Te não querem ver!

Se eu fosse vento, calor e frio
temperaria as paixões
que são causa de tanta guerra
e suavizaria os corações
de todos os povos da Terra!

Se eu fosse nuvem no céu a correr
cobriria a maldade do homem
que Te causa tanta mágoa
e choraria por ele
até secar minha água!

Para te servir, Senhor,
eu queria ser
ponte, estrada, rio,
luz do sol ao nascer,
vento, calor e frio,
nuvem no céu a correr…

Carminda de Sousa Marques
(in Deixa-me falar de Ti! 2ª edição AO, 2003)

Saber pedir

Giovanni Lanfranco, Milagre do Pão e dos Peixes, 1620-23

Se um filho (diz Cristo) pedir pão a seu pai, dar-lhe-á uma pedra? Se lhe pedir peixe, dar-lhe-á uma serpente? Ou se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião? Pois esta é a razão por que Deus, que nos trata como filhos, nos diz muitas vezes de não, e nos nega o que pedimos; porque pedimos pedras; porque pedimos serpentes; porque pedimos escorpiões. Cuidamos que pedimos o necessário, e pedimos o inútil; cuidamos que pedimos o proveitoso, e pedimos o nocivo: e isto é pedir pedras. Cuidamos que pedimos sustento, e pedimos veneno; cuidamos que pedimos o que havemos de comer, e pedimos o que nos há-de comer; cuidamos que pedimos com que viver, e pedimos o que nos há-de matar: e isto é pedir serpentes, e escorpiões. Quando somos tão néscios, ou tão meninos, que não distinguimos o escorpião do ovo, nem a serpente do peixe, nem o pão da pedra, Deus que é Pai, e tão bom Pai, por que nos não há-de negar o que tão ignorante, e tão perigosamente pedimos?

António Vieira, Sermão da Terceira Quarta-feira da Quaresma


[Silva Pereira]