quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Os Elementos do Estilo




1 – Use uma linguagem positiva: em vez de “habitualmente não chegava à hora”, diga “habitualmente chegava tarde”; em lugar de “não recordou” diga “esqueceu” – e isso porque, consciente ou inconscientemente, o leitor prefere que se diga o que é a o que não é.
2 – Seja concreto: “Sobreveio um período de tempo desfavorável” constitui uma vagueza. “Choveu diariamente uma semana” seria a boa fórmula.
3 – Abrevie o mais que puder: escrever “atos de natureza hostil” é alongar de dois centímetros “atos hostis”.
4 – Não qualifique: sempre que não se tratar de estabelecer uma opinião, a qualificação prévia é desnecessária. Dizer que é “interessante” o fato que se vai narrar, é pichar o leitor de inimaginativo.
5 – Não use adornos: o estilo não é um molho para temperar uma salada; o estilo deve estar na própria salada.
6 – Coloque-se atrás do que escreve: escreva de tal forma que a atenção do leitor seja despertada sobretudo pelo sentido e pela substância do que está dito, e não pelo temperamento e pelos modismos do autor. O primeiro conselho a dar ao escritor que começa seria, pois: para chegar a um estilo, comece por não ter nenhum.
7 – Use substantivos e verbos: evite o mais possível adjectivos e advérbios. Não há adjectivo no mundo que possa estimular um substantivo exangue ou inadequado; isto sem subestimar adjectivos e advérbios, quando correctamente empregados. Mas a verdade é que são os nomes e os verbos que dão sal e cor ao estilo.
8 – Não superescreva (significando aqui don’t overwrite): a prosa excessivamente rica, adornada ou gorda torna-se mais facilmente nauseante.
9 – Não exagere e seja claro: primeiramente, porque o exagero pode tornar o leitor suspicaz; e a clareza, é lógico, facilita a comunicação. Mais vale recomeçar uma frase longa com que se está brigando, que persistir na briga. Frequentemente uma frase longa nada mais é que duas curtas.
10 – Não opine sem razão: ter por hábito ventilar opiniões próprias é prejulgar que o leitor as esteja pedindo, o que constitui um sinal de vaidade.

Vinicius de Morais, Para Viver um Grande Amor

[Silva Pereira]

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Viver com a língua de fora


Creio que foi Tucholski quem falou, uma vez, ironicamente, das pessoas "que vivem com a língua de fora"; dos que "arquejantes e sem respiração vão na traseira do tempo, para que nada nem ninguém lhes escape"; dos que, mais do que ter ideias, vivem de adaptar-se, como camaleões, à última moda. Impera o marxismo? Pois fazem-se marxistas ou semi-marxistas, se o facto os assusta demasiado. É o existencialismo que está na moda? Pois fazem-se existencialistas. Depois, relativistas. A seguir, secularistas. Mais tarde, niilistas ou o que começar a despontar no horizonte.
São como os escravos da moda. Só que a moda impera, ao fim e ao cabo, nos vestidos, enquanto eles se deixam escravizar pela fugacidade das ideias.
É um tipo de seres mais comum do que pode pensar-se. Não os aflige ter ou não ter razão. Aterrá-los-ia pensar hoje o que ontem esteve na moda, e já não estar "em dia". Vivem literalmente com a língua da alma de fora, obrigando a cabeça a correr atrás das mudanças de opinião.
Conheço pessoas cuja única ideologia é escolher, entre as várias opiniões em circulação, a mais avançada. Pessoas que morreriam diante da possibilidade de alguém os apodar de "antiquadas" ou, o que é pior, de "retrógradas". Há quem esteja disposto a dar a vida pelas suas ideias ou pela sua fé. Mas corariam de vergonha e acabariam por traí-las, se, em vez de serem levados à tortura, fossem acusados de "beatos" ou conservadores. São pessoas para as quais não conta o substrato do pensamento, mas exclusivamente o último livro, jornal ou revista que tenham lido. São devoradores do tempo, e acreditam que a verdade se rege pelos relógios. Pensam, numa palavra, que o de hoje é forçosamente mais verdadeiro que o de ontem.
Não parecem dar-se conta de que "o verdadeiro modernismo - como dizia Tagore - não é a escravidão do gosto, mas a liberdade do espírito". Também não se dão conta de que adorar o que hoje está na moda é prestar culto ao que amanhã será antiquadíssimo, porque não há nada tão fugidio como o fogo de artifício da novidade.
Um homem verdadeiramente livre é aquele, parece-me, que pensa e diz o que crê pensar e dizer, e nunca se pergunta se assim está ou não está na moda. Será duplamente livre se não se agarrar a grupos ou blocos de pensamento.
É que hoje, mais do que nunca, a gente pensa em blocos. Um senhor, por exemplo, que se julgue progressista, terá de aceitar tudo aquilo que se apresente como tal: não só o desejo de liberdade e de direitos humanos; não só a ânsia de um mundo evoluído, mas também o aborto, o permissivismo moral e o anti-militarismo. E se eu me sentisse progressista e, precisamente porque o sou, me pusesse a defender a vida ou a combater a droga?
(...) Nunca acreditei que a verdade esteja em bloco à direita ou à esquerda, no de ontem ou no amanhã. Creio que devo conservar livre o meu juízo para reconhecê-la onde ela estiver. Felizmente só me preocupa o que digam de mim Deus e a minha consciência, e posso dar-me ao luxo de sorrir diante de críticas e de comentários.
O que não creio que um homem deva fazer é passar a vida com a língua de fora, buscando apaixonadamente donde vêm os últimos tiros. Um homem assim pode servir para cata-vento, não para torre de catedral ou para ameia de castelo. Parece-me muito menos mau ser um pouco orgulhoso do que ser escravo e, ainda por cima, de um senhor tão variável e imprevisível como é a moda.
José Luís Martín Descalzo, Razões para a Alegria.
(Silva Pereira)

domingo, 4 de janeiro de 2009

Epifania

Gerard David, Adoração dos Magos, 1500
"Eram intensas as estrelas"
(J. Guimarães Rosa)


Por muito que os sábios saibam, nunca sabem muito. Andam à procura da estrela real em equações numerosas, teorias balbuciantes que lembram linguagem de meninos aprendendo a ler. Não sabem que Deus podia criar outra tantas galáxias, outros tamanhos mundos, para festejar o Filho dele e nosso.
Os Reis foram a Belém porque repararam que as estrelas olhavam todas para lá. Sim, nessa noite, todos os astros olhavam para a Terra. Todos vieram ver. Brilhavam extremamente porque recebiam uma luz intensíssima, explosão infinita que subia da Terra. Bastou seguir a direcção dos mil olhares.
As novas estrelas eram o amor deles. Viam tudo de novo e caminhavam para o centro. Os sábios não sabem onde fica, mas o centro do universo é onde está o amor e a sua inteligência. Por isso, todo o universo andava ali à volta e eram tão intensas as estrelas. Brilhavam como no começo.
Quem ama sabe que as estrelas brilham mais. O amor é a luz do invisível.

Luís Silva Pereira, De Natal em Natal