terça-feira, 30 de março de 2010

Chaga do Lado



Sempre nos pareceu estranho que os artistas que representaram Cristo crucificado lhe tenham colocado, quase sem excepção, a chaga no lado direito do peito. Deviam supor, logicamente, que o soldado romano que trespassou Cristo, querendo certificar-se de que estava morto, não tivesse escolhido o lado direito para lhe dar o golpe fatal, mas o esquerdo. É aí, com efeito, que sentimos palpitar o coração, é aí que sempre o imaginamos. Os artistas seriam, pois, levados a pensar que o centurião, por mais desatento ou ignorante que fosse da anatomia humana, deveria ter trespassado Cristo pelo lado esquerdo, se lhe queria atingir o coração.
Poderíamos pensar que se fundamentaram nos Evangelhos. Contudo, desse pormenor não nos ficou nenhuma narrativa, nem no Evangelho em grego de S. João, o único que relata o episódio, nem na Vulgata, em latim. Também não aparece, quanto pudemos averiguar, nos relatos apócrifos que tanto apreciam minúcias realistas e pitorescas. S. João apenas diz que um dos soldados, vendo Cristo já morto, “perfurou-Lhe o lado com uma lança e logo saiu sangue e água” (Cap. XIX, 34). O termo grego que ele utiliza é πλευράν, que significa simplesmente lado, sem especificar se se trata do direito ou do esquerdo. A Vulgata latina traduz por latus, igualmente sem qualquer especificação.
Não poderá vir daqui, portanto, o hábito de representar Cristo ferido do lado direito, iconografia que terá começado nas iluminuras do Evangelho Siríaco, datado do ano 586. Aí se pode ver, de facto, Cristo na cruz a ser trespassado, no lado direito, por Longuinhos, nome que provém dos evangelhos apócrifos, e não dos canónicos.
A predilecção dos artistas pelo lado direito poderia explicar-se por razões simbólicas. É ele o lado da salvação. É do lado direito que os artistas colocam o Bom Ladrão, embora os Evangelhos não digam de que lado ele estava; é do lado direito que colocam Nossa Senhora; é para o lado direito que inclinam a cabeça de Cristo quando morre; é para o lado direito que o fazem descair quando é descido da cruz; é para esse lado que Cristo convoca os que se salvam, no dia do Juízo Final; é ao lado direito do Pai que Cristo está sentado na sua glória; é ao lado direito de Cristo que Nossa Senhora é pintada depois de subir aos Céus. Simbolicamente, parece, pois muito mais conveniente pintar, desenhar ou esculpir, a chaga do lado direito porque o sangue e a água que dela saíram constituem sinais da salvação dos homens.
Até do ponto de vista estético, seria também melhor colocar a chaga do lado direito. Se Cristo inclinou para lá o corpo, ao morrer, então seria muito mais fácil pintá-la. Bastava um simples traço vermelho. Se a colocassem do lado esquerdo, a inclinação do corpo para a direita faria com que a ferida ficasse mais aberta, tornando-se também mais difícil de pintar.
Lembrámo-nos de verificar, por simples curiosidade, de que lado estava a chaga na síndone de Turim. Ficámos completamente estupefactos. A síndone de Turim revela que a chaga se encontra precisamente no lado direito! Os estudiosos determinaram mesmo que a lança penetrou entre a quinta e a sexta costelas. Mais ainda: para sair sangue e água (que é a linfa), como relata o Evangelho, a ferida teria que ser feita pelo lado direito, pois só assim atingiria a parte do coração que, nos cadáveres, fica cheia de sangue. Não se pode daqui concluir, de modo nenhum, que a fonte de inspiração dos artistas tenha sido o lençol no qual, segundo se crê, Cristo morto esteve envolvido. Bastaria uma só razão: apenas com a descoberta da fotografia foi possível, através do negativo fotográfico, olhar a “verdadeira realidade” que mostra a chaga do lado direito. No lençol, ela está no lado esquerdo porque a imagem do lençol é uma imagem invertida. Se os pintores se tivessem inspirado nela, teriam pintado a chaga no lado esquerdo, tal como a veriam no lençol. Mais ainda: só a partir dos inícios do séc. XIV é que se generaliza a pintura de Cristo na cruz com um pé em cima do outro (normalmente o direito sobre o esquerdo – Pietro Perugino coloca o esquerdo sobre o direito). Antes representavam-se geralmente separados. Ora a síndone mostra que os pés estiveram pregados um sobre o outro, mas, ao contrário da representação habitual, o pé esquerdo é que esteve sobre o direito. Outro pormenor ainda: salvo raríssimas excepções, os artistas colocam os pregos na palma das mãos. A síndone revela que eles foram cravados nos pulsos. A síndone de Turim não pode, pois, pelas razões apresentadas, e várias outras que não é oportuno aqui referir, ter sido a fonte iconográfica da crucifixão, apesar da localização da chaga do lado.
Recentemente, encontrámos uma explicação que nos parece muito aceitável. Os soldados romanos treinavam-se a espetar a lança no peito dos inimigos pelo lado direito, uma vez que o lado esquerdo se encontrava protegido pelo escudo. O centurião romano que trespassou Cristo na cruz teria, pois, agido em conformidade com o treino que recebera.
Será, então, de admitir que houve uma tradição não escrita que identificava o lado direito como o lado em que o soldado romano cravou a lança. Dizemos “não escrita” porque só no século XII, num sermão de São Bernardo sobre a Paixão de Cristo, é que aparece, pela primeira vez, uma referência ao lado direito.

Luís Silva Pereira

segunda-feira, 29 de março de 2010

O escândalo da pedofilia


A questão dos padres pedófilos e homossexuais que surgiu recentemente na Alemanha, tem como alvo o Papa. Cometer-se-ia, no entanto, um grave erro se pensássemos que o golpe não conseguiria atingir o alvo, dada a enormidade da iniciativa. E seria um erro maior ainda se se considerasse que a questão será rapidamente ultrapassada, como tantas outras. Não é assim. Está em curso uma guerra. Não apenas contra a pessoa do Papa porque, nesse campo, a guerra é impossível. Bento XVI tornou-se inexpugnável na sua imagem, na sua serenidade, na sua limpidez, firmeza e doutrina. Basta o seu sorriso manso para derrotar um exército de adversários.
Não, a guerra é entre o laicismo e o cristianismo. Os laicistas sabem que se um esguicho de lama atingir a batina branca, conseguir-se-á sujar a Igreja e, se se sujar a Igreja, então ter-se-á também sujado a religião cristã. É por isso que os laicistas acompanham a sua campanha com perguntas como: "Quem mandará ainda as suas crianças à Igreja?", ou, "quem mandará ainda os seus filhos para um colégio católico?", ou mesmo, ainda, "quem irá tratar os seus filhos num hospital ou clínica católica? ". Há alguns dias atrás, um laicista deixou escapar a sua intenção. Escreveu assim: "a extensão da difusão do abuso sexual de crianças por padres põe em causa a própria legitimidade da Igreja Católica, como garante da educação dos mais pequeninos." Não importa que esta sentença não tenha provas e esteja cuidadosamente escondida sob a fórmula "extensão da difusão": um por cento de padres pedófilos? Dez por cento? Todos? Não importa que a sentença seja desprovida de lógica: basta substituir "sacerdotes" por "professores", ou por "políticos", ou por "jornalistas" para "minar a legitimidade" das escolas públicas, dos parlamentos ou da imprensa. O que importa é a insinuação, mesmo à custa da grosseria do argumento: os padres são pedófilos, assim a Igreja não tem autoridade moral, logo a educação católica é perigosa, pelo que cristianismo é uma fraude e um perigo.
Esta guerra do laicismo contra o cristianismo é uma batalha campal. Deve-se trazer à memória o nazismo e o comunismo para encontrar uma situação similar. Mudam os meios, mas o fim é o mesmo. Hoje, como ontem, o que se pretende é a destruição da religião. Na altura, a Europa pagou o preço por esta fúria destrutiva com a sua própria liberdade. É incrível que, especialmente na Alemanha, enquanto se bate continuamente com a mão no peito devido à memória do preço que se infligiu por toda a Europa, na Alemanha que hoje é uma democracia, se esqueça e não se entenda que a própria democracia estaria perdida se o cristianismo fosse apagado. A destruição da religião comportou então a destruição da razão. E hoje não significará o triunfo da razão laica, mas uma nova barbárie. Sob o plano ético, aí está a barbárie de quem mata um feto porque a sua vida seria prejudicial para a saúde psíquica da sua mãe; de quem diz que um embrião é um "monte de células" bom para experiências cientificas; de quem mata um velho porque ele já não tem uma família que o trate; de quem apressa o fim de um filho porque não está consciente e é incurável; de quem pensa que "progenitor A" e "progenitor Pai B" é o mesmo que "pai" e "mãe"; de quem acredita que a fé é como o cóccix, um corpo que já não participa na evolução porque o homem não já não precisa da cauda e está erecto por si mesmo. E por aí adiante. Ou então, e considerando o lado político da guerra dos laicistas ao Cristianismo, a barbárie será a destruição da Europa. Porque, abatido o cristianismo, permanecerá o multiculturalismo, que acredita que cada grupo tem direito à sua cultura; o relativismo, que pensa que cada cultura é tão boa quanto qualquer outra; o pacifismo, que nega que o mal existe.
Esta guerra ao cristianismo não seria tão perigoso se os cristãos a compreendessem. Em vez disso, todas estas incompreensões envolvem muitos deles: teólogos frustrados pela supremacia intelectual de Bento XVI; bispos inseguros que consideram que qualquer compromisso com a modernidade é o melhor modo de actualizar a mensagem cristã; cardeais, em crise de fé, que começam a sugerir que o celibato dos sacerdotes não é um dogma, e que talvez fosse melhor reconsiderá-lo; intelectuais católicos felpudos que pensam que há uma questão feminina dentro da Igreja e um problema não resolvido entre o cristianismo e sexualidade; conferências episcopais que se enganam na ordem do dia e que, enquanto esperam por uma política de fronteiras abertas para todos, não têm a coragem de denunciar as agressões que os cristãos sofrem e as humilhações que são forçados a provar ao serem todos, indiscriminadamente, sentados no banco dos réus.
Marcello Pêra, Corriere della Sera, 17.03.2010 (resumo)
Filósofo agnóstico e senador
SP

quinta-feira, 25 de março de 2010

Ponte entre Deus e os Homens II


Esta humanidade do sacerdote não corresponde ao ideal platónico e aristotélico, segundo o qual o verdadeiro homem seria aquele que vive unicamente na contemplação da verdade, e assim é bem-aventurado, feliz, porque tem só amizade com as coisas belas, com a beleza divina, mas "os trabalhos" fazem-nos os outros. Esta é uma suposição, enquanto que aqui se supõe que o sacerdote entre como Cristo na miséria humana, a leve consigo, vá ao encontro das pessoas sofredoras, se ocupe delas, e não só exteriormente, mas assuma interiormente sobre si, reúna em si mesmo a "paixão" do seu tempo, da sua paróquia, das pessoas que lhe são confiadas. Assim Cristo mostrou o verdadeiro humanismo. Certamente o seu coração está sempre fixo em Deus, vê sempre Deus, intimamente está sempre em diálogo com Ele, mas Ele carrega, ao mesmo tempo, todo o ser, todo o sofrimento humano entra na Paixão. Falando, vendo os homens que são pequenos, sem pastor, Ele sofre com eles e nós sacerdotes não podemos retirar-nos num Elysium, mas estamos imersos na paixão deste mundo e devemos, com a ajuda de Cristo e em comunhão com Ele, procurar transformá-lo, guiá-lo para Deus.
Dizemos, justamente, que Jesus não ofereceu a Deus algo, mas ofereceu-se a si mesmo e este oferecer-se a si mesmo realiza-se precisamente nesta compaixão, que transforma em oração e em grito ao Pai o sofrimento do mundo. Neste sentido também o nosso sacerdócio não se limita ao acto cultual da Santa Missa, no qual tudo é colocado nas mãos de Cristo, mas toda a nossa compaixão em relação ao sofrimento deste mundo tão distante de Deus, é acto sacerdotal, é prospherein, é oferecer. Neste sentido, parece-me que devemos entender e aprender a aceitar mais profundamente os sofrimentos da vida pastoral, porque é exactamente esta a acção sacerdotal, é mediação, é entrar no mistério de Cristo, é comunicação com o mistério de Cristo, muito real e essencial, existencial e depois sacramental.
É importante uma segunda palavra neste contexto. Diz-se que Cristo assim através desta obediência torna-se perfeito, em grego teleiotheis (cf. Hb 5, 8-9). Sabemos que em toda a Torah, isto é, em toda a legislação cultual, a palavra teleion, aqui usada, indica a ordenação sacerdotal. Ou seja, a Carta aos Hebreus diz-nos que, precisamente fazendo isto, Jesus foi proclamado sacerdote, realizou-se o seu sacerdócio. A nossa ordenação sacerdotal sacramental deve ser realizada e concretizada existencialmente, mas também de modo cristológico, precisamente neste carregar o mundo com Cristo e para Cristo e, com Cristo, para Deus: assim tornamo-nos realmente sacerdotes, teleiotheis. Por conseguinte, o sacerdócio não é uma coisa por algumas horas, mas realiza-se precisamente na vida pastoral, nos seus sofrimentos e nas suas debilidades, nas suas tristezas e também, naturalmente, nas alegrias. Assim, tornamo-nos cada vez mais sacerdotes em comunhão com Cristo.
São Máximo o Confessor, na sua interpretação do Monte das Oliveiras, da angústia expressa precisamente na oração de Jesus, "não a minha, mas a tua vontade", descreveu este processo, que Cristo leva em si como verdadeiro homem, com a natureza, a vontade humana; neste acto "não a minha, mas a tua vontade", Jesus resume todo o processo da sua vida, isto é, do levar a vida natural humana à vida divina e deste modo transformar o homem: divinização do homem e assim redenção do homem, porque a vontade de Deus não é uma vontade tirana, não é uma vontade que está fora do nosso ser, mas é precisamente a vontade criadora, é precisamente o lugar onde encontramos a nossa verdadeira identidade.
A verdadeira Jerusalém, a Salem de Deus, é o Corpo de Cristo, a Eucaristia é a paz de Deus com o homem. Sabemos que São João, no Prólogo, chama a humanidade de Jesus "a tenda de Deus", eskenosen en hemin (Jo 1, 14). Aqui o próprio Deus criou a sua tenda no mundo e esta tenda, esta nova, verdadeira Jerusalém está, ao mesmo tempo, na terra e no céu, porque este Sacramento, este sacrifício se realiza sempre entre nós e chega sempre até ao trono da Graça, à presença de Deus. Aqui é a verdadeira Jerusalém, ao mesmo tempo, celeste e terrestre, a tenda, que é o Corpo de Deus, que como Corpo ressuscitado permanece sempre Corpo e abraça a humanidade e, ao mesmo tempo, sendo Corpo ressuscitado, nos une com Deus. Tudo isto se realiza sempre de novo na Eucaristia. E nós como sacerdotes somos chamados a ser ministros deste grande Mistério, no Sacramento e na vida. Peçamos ao Senhor que nos faça compreender cada vez melhor este Mistério, que nos faça viver cada vez melhor este Mistério e deste modo oferecer a nossa ajuda para que o mundo se abra a Deus, a fim de que o mundo seja remido.
Bento XVI(resumo)
SP

segunda-feira, 15 de março de 2010

Ponte entre Deus e os Homens I


Um sacerdote, para ser realmente mediador entre Deus e o homem, deve ser homem. Isto é fundamental, e o Filho de Deus fez-se homem precisamente para ser sacerdote, para poder realizar a missão do sacerdote. Deve ser homem, mas não pode sozinho fazer-se mediador com Deus. O sacerdote precisa de uma autorização de uma instituição divina, e só pertencendo às duas esferas, a de Deus e a do homem, pode ser mediador, pode ser "ponte". É esta a missão do sacerdote: combinar, relacionar estas duas realidades aparentemente tão separadas, isto é, o mundo de Deus distante de nós, muitas vezes desconhecido do homem, e o nosso mundo humano. A missão do sacerdócio é a de ser mediador, ponte que une, e assim levar o homem a Deus, à sua redenção, à sua verdadeira luz, à sua verdadeira vida. Por conseguinte, como primeiro ponto o sacerdote deve estar da parte de Deus, e unicamente em Cristo esta necessidade, esta condição da mediação, é plenamente realizada. Por isso, era necessário este Mistério: o Filho de Deus faz-se homem para que exista a verdadeira ponte, a verdadeira mediação. Os outros devem ter pelo menos uma autorização de Deus ou, no caso da Igreja, o Sacramento, isto é, introduzir o nosso ser no ser de Cristo, no ser divino. Só com o Sacramento, com este acto divino que nos cria sacerdotes na comunhão com Cristo, podemos realizar a nossa missão. Ninguém se faz sacerdote por si mesmo; só Deus me pode atrair, pode autorizar-me, pode induzir-me à participação no mistério de Cristo; só Deus pode entrar na minha vida e pegar-me pela mão.
Tornemos esta realidade também um factor prático da nossa vida: se é assim, um sacerdote deve ser realmente um homem de Deus, deve conhecer Deus de perto, e conhece-o em comunhão com Cristo. Então devemos viver esta comunhão e a celebração da Santa Missa, a oração do Breviário, toda a oração pessoal, são elementos do ser com Deus, do ser homens de Deus. O nosso ser, a nossa vida, o nosso coração devem ser fixados em Deus, neste ponto do qual não devemos sair, e isto realiza-se, fortalece-se dia após dia, também com breves orações com as quais nos relacionamos com Deus e nos tornamos cada vez mais homens de Deus, que vivem na sua comunhão e assim podem falar de Deus e guiar para Deus. O outro elemento é que o sacerdote deve ser homem. Homem em todos os sentidos, isto é, deve viver uma verdadeira humanidade, um verdadeiro humanismo; deve ter uma educação, uma formação humana, virtudes humanas; deve desenvolver a sua inteligência, a sua vontade, os seus sentimentos, os seus afectos; deve ser realmente homem, homem segundo a vontade do Criador, do Redentor, porque sabemos que o ser humano está ferido e a questão de "o que é o homem" é obscurecida pelo facto do pecado, que ofendeu a natureza humana até às suas profundezas. Assim diz-se: "mentiu", "é humano"; "roubou", "é humano"; mas não é este o verdadeiro ser humano. Humano é ser generoso, é ser bom, é ser homem da justiça, da prudência verdadeira e da sabedoria. Por conseguinte, sair com a ajuda de Cristo deste obscurecimento da nossa natureza para alcançar o verdadeiro ser humano à imagem de Deus, é um processo de vida que deve começar pela formação para o sacerdócio, mas que se deve realizar depois e prosseguir em toda a nossa existência. Penso que as duas coisas caminhem fundamentalmente juntas: ser de Deus e com Deus e ser realmente homem, no verdadeiro sentido que o Criador quis, plasmando esta criatura que somos nós.
Ser homem: a Carta aos Hebreus faz um realce da nossa humanidade que nos surpreende, porque diz: deve ser um que "pode compadecer-se dos ignorantes e dos que erram, pois também ele está cercado de fraqueza" (5, 2) e depois ainda muito mais forte "quando vivia na carne, ofereceu, com grande clamor e lágrimas, orações e súplicas Àquele que O podia salvar da morte, e foi atendido pela Sua piedade" (5, 7). Para a Carta aos Hebreus é elemento essencial do nosso ser humano a compaixão, o sofrer com os outros: esta é a verdadeira humanidade. Não é o pecado, porque o pecado nunca é solidariedade, mas é sempre uma não-solidariedade, um tomar a vida para mim mesmo, em vez de a doar. A verdadeira humanidade é participar realmente no sofrimento do ser humano, significa ser um homem de compaixão metriopathein, diz o texto grego isto é, estar no centro da paixão humana, carregar realmente com os outros os seus sofrimentos, as tentações deste tempo: "Deus, onde estás neste mundo?".


Bento XVI

SP