sábado, 17 de maio de 2008

Por uma Europa com Anquises, Eneas, Iulo e Cristo

LOO, Carle van, Eneias carregando Anquises (1729)

1. A Europa foi durante muito tempo um conceito vago. Nas suas famosas Histórias, o historiador grego Heródoto (484-425 a.C.) refere que a Europa e a terra dos gregos era o que ficava para cá das fronteiras dos Persas, que consideravam a Ásia como a sua terra.

2. Eneias, o herói virgiliano que, no Livro Segundo da Eneida, parte de Tróia em direcção ao Lácio carregando aos ombros o velho pai Anquises e apertando a mão do seu pequeno filho Iulo, pode constituir o arquétipo literário, universalmente reconhecido, que serve para dar corpo plástico ao tema: «Os fundamentos de uma Europa em construção».

3. Com a formação dos Estados Helénicos e do Império Romano construiu-se um continente, que veio mais tarde a ser a Europa, mas com fronteiras muito diferentes. Começou por integrar as terras à volta do Mediterrâneo, que se sentiam unidas por laços culturais, comunicações e trocas comerciais, idêntico sistema político. Em termos religiosos, foi o Cristianismo que desde cedo veio dar uma maior consistência a esta bacia do Mediterrâneo.

4. Todavia, com a marcha triunfal do Islão no séc. VII e princípios do séc. VIII, o Mediterrâneo foi cortado ao meio, de tal modo que aquilo que até aí era um continente, fica então dividido em três: Ásia, África e Europa. Por volta do ano 700, este espaço cultural e religioso perde definitivamente a zona meridional do Mediterrâneo, mas estende-se para Norte, incluindo as Gálias, a Bretanha e a Germânia, até à Escandinávia. E em finais do séc. VIII, princípios do IX, com Carlos Magno (742-814), para alguns historiadores o verdadeiro fundador da Europa, consolida-se esta nova Europa, herdeira cultural do antigo Império Romano, que agora se vê como que renascido e fortemente impregnado pelo Cristianismo. Carlos Magno foi coroado em Roma, no Natal de 800, pelo Papa Leão III.

5. Entretanto, com o fim do Império Carolíngio, esta ideia de Europa desvanece-se, para voltar a aparecer de novo no início dos tempos modernos, em 1493, por causa do perigo turco. Mas só no séc. XVIII se afirmará de forma universal.

6. Se o Império Romano teve no Ocidente uma história atribulada, no Oriente, com centro em Constantinopla, resistiu até ao séc. XV, irradiando o lume Cristão pelo mundo eslavo. Quando, em 1493, Constantinopla é tomada pelos turcos, a herança bizantina transfere-se para Moscovo, deslocando-se então as fronteiras da Europa para Norte e para Oriente, até aos Urais. Mas enquanto a Oriente a Europa se expande para a Ásia, a Ocidente expande-se para fora das suas fronteiras geográficas e chega ao Novo Mundo, do outro lado do Atlântico, que então recebe o nome de América. Esta é também a altura em que a própria Europa se divide em duas metades: uma latino-católica, e outra germânico-protestante.

7. O espaço Europeu foi, no decurso do século XX, sacudido por duas guerras. Após a devastação da Segunda Guerra Mundial, os pais da União Europeia – Adenauer, Schumann, De Gasperi – vêem com clareza que esta nova Europa tem de procurar os seus fundamentos na herança Cristã que a foi moldando ao longo dos séculos. Todavia, com o tempo, foram os aspectos económicos que foram privilegiados, esquecendo-se cada vez mais os fundamentos espirituais. Pouco a pouco eclipsaram-se os valores cristãos, desapareceu o sagrado, a família entrou em declínio, hipotecou-se o futuro por falta de nascimentos.

8. Ensina a demografia que, para a simples manutenção da população de um determinado território, é requerida uma média de nascimentos de 2,1 filhos por mulher. Ora, neste começo do século XXI, Portugal decresce à média de 1,3 filhos por mulher, a Espanha à média de 1,1, a Itália e a Alemanha à média de 1,3, a França à média de 1,7. E é sabido que estes índices, sobretudo na França, Itália e Alemanha ainda se ficam a dever muito à presença árabe e africana. E os demógrafos vão avisando que, se nada for alterado, no final deste século XXI, já não haverá Europa, mas Eurábia ou Eurásia.

9. Assistimos hoje a uma Europa velha, doente, esquecida e triste, que já não gosta de si mesma nem da sua própria história, que já não luta nem sonha, mas que ainda pensa que se pode voltar a reunir à volta de uma lareira sem lume, de uma mesa sem pão ou de uma Constituição sem conteúdos, inspirada, dizem, em «heranças culturais, religiosas e humanistas» mais ou menos virtuais, de que ninguém diz nem sabe nem quer saber o nome. Mas eu digo que é cada vez mais uma Europa sem Cristo, sem Eneias e sem Iulo. E só com Anquises não vamos longe.

António Couto

1 comentário:

Anónimo disse...

ah maravilhosa sabedoria que vem de longe, de mais fundo... façam chegar longe este artigo por favor