domingo, 18 de maio de 2008

Literatura e Sagrado (1)


1. Depois de ter apelado à necessidade de uma infoética para os media que dominam a actual sociedade globalizada, o Papa Bento XVI pede aos católicos que revalorizem a arte e a literatura: “Que os cristãos valorizem mais a literatura, a arte e os meios de comunicação social, para favorecer uma cultura que defenda e promova os valores da pessoa humana” (intenção do Apostolado da Oração para o mês de Maio).

Durante séculos, a literatura e a arte em geral foram profundamente influenciadas pelo cristianismo. A pintura, a escultura, a música ou a literatura, desempenharam uma nobre e dupla função, estética e pedagógica. Ao mesmo tempo que enriqueciam um inestimável património cultural, também ajudaram cristãos (e não cristãos) a sentirem o mistério envolvente da beleza e o permanente apelo do transcendente.

2. Ora, esta oportuna intenção papal recorda-nos a memorável Carta do Papa João Paulo II aos Artistas (1999), entusiasmando-os e interpelando-os como “construtores geniais de beleza”. A beleza artística é, em certo sentido, uma epifania do mistério e da maravilha da Criação original. E a beleza constitui uma experiência de entusiasmo, de alegria e de contacto com o Absoluto.

A literatura em particular sempre foi uma arte através da qual o homem procura conhecer-se e dar um sentido à sua existência. O mundo tem necessidade da beleza; através da experiência estética o homem para dá expressão à sua natureza e supera o sem sentido e o desespero da existência. Por isso, o Papa João Paulo II recordava a famosa afirmação do escritor russo Dostoievsky: “a beleza salvará o mundo”. E deixava um apelo final: “A beleza é chave do mistério e apelo ao transcendente. É convite a saborear a vida e a sonhar o futuro”.

3. É verdade que, modernamente, esse multissecular e fecundo diálogo entre a experiência da fé e a criação artística sofreu afastamentos e rupturas consideráveis. Isso não significa, porém, que a arte e a literatura contemporâneas, ao falar do homem e da sua existência, não recorram a temas e questões de fundo religioso. Há divórcios e antagonismos conhecidos; mas também interrogações e diálogos expressivos.

No limiar do terceiro milénio, é justamente sobre este tópico que nos propomos falar periodicamente, norteados por um mote desafiador: continua a literatura contemporânea a problematizar o sagrado? Como é que arte da palavra pensa aquilo que transcende o homem? Será que hoje a literatura está totalmente divorciada da fé cristã e da experiência do sagrado? Aqui fica o convite inicial para uma breve viagem indagadora e ilustrativa. | Cândido Oliveira Martins

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