domingo, 7 de setembro de 2008

Um novo encontro Fé - Arte



PÚBLICO - São João Damasceno dizia: "Se encontrares um pagão, leva-o a uma igreja ornamentada para ver os ícones, a pintura, para mostrar a fé". Hoje já não se pode fazer isto?
GIANFRANCO RAVASI - Pode fazer-se ainda, apenas na base do passado. O grande património da tradição artística ocidental é expressão, sobretudo, da fé e da Bíblia. No coração das cidades de Portugal está sempre a catedral e museus feitos com obras e peças de temas religiosos. Foi na questão do presente que eu quis começar a intervir. Não tanto para adoptar formas artísticas de artesanato, que têm a sua dignidade, e construir uma nova linguagem sobre essas artes menores. Quero que a grande arte e os grandes artistas, nomes fundamentais da arte contemporânea que não se interessam por temas religiosos, voltem de novo a olhar para lá da fronteira. Será um benefício para nós, mas também para eles, porque perderam grandes temas, grandes símbolos, grandes narrativas. Não se preocupam senão com interpretar o real, tantas vezes esgotado ou, pelo menos, ligado sobretudo à exterioridade ou à ausência das grandes perguntas.
E uma realidade feia, por vezes?
Sim, por vezes, com a violência, a ruptura ou mesmo a pura materialidade e o realismo. Por isso será também um serviço que lhes faremos.
Mas há muita gente na Igreja que vê a arte contemporânea como algo estranho, feio, escandaloso, mesmo obsceno...
É verdade. Precisamente por isso, é necessário começar uma viagem, que será longa, para tentar tecer de novo o diálogo, depois do divórcio que houve com os artistas. Mas também para fazer compreender ao fiel que entra numa igreja a necessidade de uma nova linguagem, que não é apenas a do artesanato, de pinturas modestas de artistas locais, mas que é também a tentativa de fazer alguma coisa que fique na história.
Isto acontece já na arquitectura, com igrejas feitas por grandes arquitectos - algumas mesmo belas igrejas. Inicialmente, os fiéis têm perante elas alguma estranheza, mas depois, progressivamente, entram e percebem a beleza de uma igreja feita por Álvaro Siza, Richard Meier, Mario Botta, Renzo Piano, Tadao Ando.
Falta a música, a pintura...
Sim, faltam as artes, a escultura, um pouco a literatura...
A experimentação na arte contemporânea não é, então, estranha?
Não. Fazer obras para o culto obriga a ter em conta o contexto. Começaremos com obras não necessariamente já litúrgicas, mas que sejam obras espirituais.
De reflexão humana?
Sim, sobre os grandes símbolos e grandes temas. Penso escolher, com uma comissão criada para o efeito, artistas que tenham já alguma sensibilidade. Alguns nomes em que penso: Bill Viola, dos Estados Unidos, Anish Kapoor, da Índia, Cunnellis, da Europa, artistas de grande nível e que têm já dentro de si o desejo de interrogar-se, mas que não afrontaram ainda temas estritamente religiosos.

Excerto da entrevista de António Marujo a D.Gianfranco Ravasi (Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura) Público 04.09.2008 (caderno P2)

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