segunda-feira, 8 de junho de 2009

Eros, Philia, Agape


Ao amor entre homem e mulher, que não nasce da inteligência e da vontade, mas, de certa forma, se impõe ao ser humano, a Grécia antiga deu o nome de eros. Diga-se, desde já, que o Antigo Testamento grego só usa duas vezes a palavra eros, enquanto o Novo testamento nunca a usa: das três palavras gregas relacionadas com o amor – eros, philia (amor de amizade) e agape – os escritores neo-testamentários privilegiam a última, que, na linguagem grega, era quase posta de lado. Quanto ao amor de amizade (philia), é retomado, com um significado mais profundo, no Evangelho de São João, para exprimir a relação entre Jesus e os seus discípulos. A marginalização da palavra eros, juntamente com a nova visão do amor que se exprime através da palavra agape, denota, sem dúvida, na novidade do cristianismo, algo de essencial e próprio relativamente à compreensão do amor. Na crítica ao cristianismo que se foi desenvolvendo com radicalismo crescente a partir do iluminismo, esta novidade foi avaliada de forma absolutamente negativa. Segundo Friedrich Nietzsche, o cristianismo teria dado a beber veneno a eros que, embora não tivesse morrido, daí teria recebido o impulso para degenerar em vício. Este filósofo alemão exprimia assim, uma sensação muito generalizada: com os seus mandamentos e proibições, a Igreja não torna amarga, porventura, a coisa mais bela da vida? Porventura, não assinala ela proibições precisamente onde a alegria preparada para nós pelo Criador, nos oferece uma felicidade que nos faz pressentir algo do Divino?
Mas será mesmo assim? O cristianismo destruiu verdadeiramente eros? Vejamos o mundo pré-cristão. Os gregos – de forma análoga, aliás, a outras culturas, viram em eros sobretudo o inebriamento, a subjugação da razão por parte duma “loucura divina” que arranca o homem das limitações da sua existência e, neste estado de transtorno por uma força divina, faz-lhe experimentar a mais alta beatitude. A esta forma de religião, que contrasta como uma fortíssima tentação com a fé no único Deus, o Antigo Testamento opôs-se com a maior firmeza, combatendo-a como perversão da religiosidade. Ao fazê-lo, porém, não rejeitou de modo algum eros enquanto tal, mas declarou guerra à sua subversão devastadora, porque a falsa divinização de eros, como aí se verifica, priva-o da sua dignidade, desumaniza-o. De facto, no templo, as prostitutas que devem dar o inebriamento do Divino, não são tratadas como seres humanos e pessoas, mas servem apenas como instrumentos para suscitar a “loucura divina”. Na realidade, não são deusas, mas pessoas humanas de quem se abusa. Por isso, o eros inebriante e descontrolado não é subida, “êxtase”, até ao Divino, mas queda, degradação do ser humano. Fica assim claro que eros necessita de disciplina, de purificação, para dar ao homem não o prazer de um instante, mas uma certa amostra do vértice da existência, daquela beatitude para que tende todo o nosso ser
Dois dados resultam claramente desta rápida visão sobre a concepção de eros na história e na actualidade. O primeiro é que entre o amor e o Divino existe alguma relação: o amor promete infinito, eternidade – uma realidade maior e totalmente diferente do dia-a-dia da nossa existência. E o segundo é que o caminho para tal meta não consiste em deixar-se simplesmente subjugar pelo instinto. São necessárias purificações e amadurecimentos, que passam também pela estrada da renúncia. Isto não é rejeição de eros, não é o seu “envenenamento”, mas a cura em ordem à sua verdadeira grandeza.

Bento XVI, Deus é Amor, 3-5
[Silva Pereira]

Sem comentários: