quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Advento



CÂNTICO PARA JOÃO

Benedictus Dominus, Deus Israel, quia visitavit et redemit populum suum.
Canticum Zachariae, Luc. I, 68-79

São João pra ver as moças
Fez uma fonte de prata
(Cancioneiro Popular)


As portas do Inferno não prevalecem contra
O mais limpo que a neve antes que João leve à água
A fonte de água viva e O aponte a dedo:
- Ecce Agnus Dei!

Anho branco, anho novo, cuja pedra de poiso é o Livro,
O Cordeiro de Deus que tira os pecados do Mundo
Como quem tosa a relva e come da ervilhaca,
Branco do Lírio-mãe como o vitelo herdou malha,
Penetrante de bafo como o vento na frincha,
Doce ao jugo do Pai que ouviu Abraão e a Ele não!
O Cordeiro das lãs ainda não bem cardadas,
Que eu levo, levas tu, e aquele outro, e o outro ainda,
Procissão de pastores à matança da Páscoa,
Carniceiros vendendo o que deviam comer com alfaces bravas.

João!
Eu admiro João no poço dos Essénios,
Com Zacarias mudo e o gafanhoto ardente,
João Bebe-Água, João a quem basta um pelico acabado de esfolar,
João a quem põe mesa a abelha e viu curvada
Ao verter de sua concha a cabeça de sangue do sudários!
Feliz João, filho de velha e núncio da Boa Nova,
O que desiste ao saber que o Outro é que vem, é que é,
E prefere fazer de leão num Zoo de dançarina
E de cabeça de rês num prato de degola,
A passar pelo Leão na Terra do Cordeiro leonino
Filho da Pomba:
- Ecce Agnus Dei!

João, que não desata a correia à sandália do Maior(non sum dignus!),
Que não faz a vontade à que o devora de olhos,
Lhe ama a carne de magro, escorcho de samarra,
La sale Salomé, vampe orientale aux friandises,
E ele – ácido, genuíno, todo água viva e chão de cardos,
Fiel a seu pai mudo e à hora em que a fala lhe rebenta
Assim como a fonte à vara:

- “Benedictus Dominus, Deus Israel,
Que visitou o seu povo,
Remiu o seu povo
E levantou o altar da nossa salvação em casa de seu servo David,
Sicut locutus est per os sanctorum,
Qui olim fuerunt,
Para nos livrar da mão dos nossos inimigos”,
E o mais que disse o velho Zacarias
Ex-mudo como o parvo ante a velhinha estéril
Mas sem papas na língua agora que o menino mexe,
E ele, como o outro que diz, fala pelos cotovelos,
Amplo de graves e de agudos como um órgão
E zoando ao vento como o moinho ou o decacórdio
Na cita do seu João:

- “Et tu, puer,
Profeta do Altíssimo serás chamado”...
Para que fosse abrindo ao Senhor seus caminhos
E dando ao seu povo a ciência do salvar
E a remissão dos pecados, et coetera,
E iluminasse aqueles por lá da sombra da morte:
“Ut dirigat pedes nostros in viam pacis”.
Os nossos pés direitos na estradada paz, imagine-se!
Os nossos pés no caminho e no endireito da paz...
Como é? Repete, velho salamurdo e santo!
“Ut dirigat pedes nostros in viam pacis”.

Gloria. (Com “Sicut erat”).

Amen.
Vitorino Nemésio, Cântico de Véspera
(Silva Pereira)

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