quinta-feira, 25 de março de 2010

Ponte entre Deus e os Homens II


Esta humanidade do sacerdote não corresponde ao ideal platónico e aristotélico, segundo o qual o verdadeiro homem seria aquele que vive unicamente na contemplação da verdade, e assim é bem-aventurado, feliz, porque tem só amizade com as coisas belas, com a beleza divina, mas "os trabalhos" fazem-nos os outros. Esta é uma suposição, enquanto que aqui se supõe que o sacerdote entre como Cristo na miséria humana, a leve consigo, vá ao encontro das pessoas sofredoras, se ocupe delas, e não só exteriormente, mas assuma interiormente sobre si, reúna em si mesmo a "paixão" do seu tempo, da sua paróquia, das pessoas que lhe são confiadas. Assim Cristo mostrou o verdadeiro humanismo. Certamente o seu coração está sempre fixo em Deus, vê sempre Deus, intimamente está sempre em diálogo com Ele, mas Ele carrega, ao mesmo tempo, todo o ser, todo o sofrimento humano entra na Paixão. Falando, vendo os homens que são pequenos, sem pastor, Ele sofre com eles e nós sacerdotes não podemos retirar-nos num Elysium, mas estamos imersos na paixão deste mundo e devemos, com a ajuda de Cristo e em comunhão com Ele, procurar transformá-lo, guiá-lo para Deus.
Dizemos, justamente, que Jesus não ofereceu a Deus algo, mas ofereceu-se a si mesmo e este oferecer-se a si mesmo realiza-se precisamente nesta compaixão, que transforma em oração e em grito ao Pai o sofrimento do mundo. Neste sentido também o nosso sacerdócio não se limita ao acto cultual da Santa Missa, no qual tudo é colocado nas mãos de Cristo, mas toda a nossa compaixão em relação ao sofrimento deste mundo tão distante de Deus, é acto sacerdotal, é prospherein, é oferecer. Neste sentido, parece-me que devemos entender e aprender a aceitar mais profundamente os sofrimentos da vida pastoral, porque é exactamente esta a acção sacerdotal, é mediação, é entrar no mistério de Cristo, é comunicação com o mistério de Cristo, muito real e essencial, existencial e depois sacramental.
É importante uma segunda palavra neste contexto. Diz-se que Cristo assim através desta obediência torna-se perfeito, em grego teleiotheis (cf. Hb 5, 8-9). Sabemos que em toda a Torah, isto é, em toda a legislação cultual, a palavra teleion, aqui usada, indica a ordenação sacerdotal. Ou seja, a Carta aos Hebreus diz-nos que, precisamente fazendo isto, Jesus foi proclamado sacerdote, realizou-se o seu sacerdócio. A nossa ordenação sacerdotal sacramental deve ser realizada e concretizada existencialmente, mas também de modo cristológico, precisamente neste carregar o mundo com Cristo e para Cristo e, com Cristo, para Deus: assim tornamo-nos realmente sacerdotes, teleiotheis. Por conseguinte, o sacerdócio não é uma coisa por algumas horas, mas realiza-se precisamente na vida pastoral, nos seus sofrimentos e nas suas debilidades, nas suas tristezas e também, naturalmente, nas alegrias. Assim, tornamo-nos cada vez mais sacerdotes em comunhão com Cristo.
São Máximo o Confessor, na sua interpretação do Monte das Oliveiras, da angústia expressa precisamente na oração de Jesus, "não a minha, mas a tua vontade", descreveu este processo, que Cristo leva em si como verdadeiro homem, com a natureza, a vontade humana; neste acto "não a minha, mas a tua vontade", Jesus resume todo o processo da sua vida, isto é, do levar a vida natural humana à vida divina e deste modo transformar o homem: divinização do homem e assim redenção do homem, porque a vontade de Deus não é uma vontade tirana, não é uma vontade que está fora do nosso ser, mas é precisamente a vontade criadora, é precisamente o lugar onde encontramos a nossa verdadeira identidade.
A verdadeira Jerusalém, a Salem de Deus, é o Corpo de Cristo, a Eucaristia é a paz de Deus com o homem. Sabemos que São João, no Prólogo, chama a humanidade de Jesus "a tenda de Deus", eskenosen en hemin (Jo 1, 14). Aqui o próprio Deus criou a sua tenda no mundo e esta tenda, esta nova, verdadeira Jerusalém está, ao mesmo tempo, na terra e no céu, porque este Sacramento, este sacrifício se realiza sempre entre nós e chega sempre até ao trono da Graça, à presença de Deus. Aqui é a verdadeira Jerusalém, ao mesmo tempo, celeste e terrestre, a tenda, que é o Corpo de Deus, que como Corpo ressuscitado permanece sempre Corpo e abraça a humanidade e, ao mesmo tempo, sendo Corpo ressuscitado, nos une com Deus. Tudo isto se realiza sempre de novo na Eucaristia. E nós como sacerdotes somos chamados a ser ministros deste grande Mistério, no Sacramento e na vida. Peçamos ao Senhor que nos faça compreender cada vez melhor este Mistério, que nos faça viver cada vez melhor este Mistério e deste modo oferecer a nossa ajuda para que o mundo se abra a Deus, a fim de que o mundo seja remido.
Bento XVI(resumo)
SP

Sem comentários: