sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Apelo aos Artistas I


Miguel Ângelo, Criação do Homem, 1510


Quarenta e cinco anos após o histórico encontro de Paulo vi com os artistas, Bento XVI quis "renovar a amizade da Igreja com o mundo da arte". E fê-lo recebendo os artistas na Capela Sistina na manhã de sábado, 21 de Novembro. No discurso que lhes dirigiu, o Papa ressaltou que num mundo onde crescem "os sinais de resignação, de agressividade, de desespero" os artistas estão chamados a ser "anunciadores e testemunhas de esperança para a humanidade". No início do encontro, o Arcebispo Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, D. Gianfranco Ravasi, dirigiu ao Papa uma saudação na qual deu voz à multidão de artistas provenientes de todo o mundo e recordou que, removidas as ruínas das incompreensões, a "via pulchritudinis" ainda está aberta. Apresentamos o discurso do Papa.



Senhores Cardeais, Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, Ilustres Artistas, Senhoras e Senhores!
É com grande alegria que vos recebo neste lugar solene e rico de arte e de memórias. Dirijo a todos e a cada um a minha cordial saudação, e agradeço-vos por terdes aceite o meu convite. Com este encontro desejo expressar e renovar a amizade da Igreja com o mundo da arte, uma amizade consolidada no tempo, porque o Cristianismo, desde as suas origens, compreendeu bem o valor das artes e utilizou sabiamente as suas multiformes linguagens para comunicar a sua imutável mensagem de salvação. Esta amizade deve ser continuamente promovida e apoiada, para que seja autêntica e fecunda, adequada aos tempos e tenha em consideração as situações e as mudanças sociais e culturais. Eis o motivo deste nosso encontro. Agradeço de coração a D. Gianfranco Ravasi, Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura e da Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja por o ter promovido e preparado, com os seus colaboradores, assim como pelas suas palavras que há pouco me dirigiu. Saúdo os Senhores Cardeais, os Bispos, os Sacerdotes e as distintas Personalidades aqui presentes. Agradeço também à Pontifíca Capela Musical Sistina que acompanha este momento significativo. Os protagonistas deste encontro sois vós, queridos e ilustres Artistas, pertencentes a países, culturas e religiões diversas, talvez até distantes de experiências religiosas, mas desejosos de manter viva uma comunicação com a Igreja católica e de não limitar os horizontes da existência unicamente à materialidade, a uma visão redutiva e banalizadora. Vós representais o mundo variado das artes e, precisamente por isso, através de vós, gostaria de fazer chegar a todos os artistas o meu convite à amizade, ao diálogo e à colaboração.
Algumas circunstâncias significativas enriquecem este momento. Recordamos o décimo aniversário da Carta aos Artistas do meu venerado predecessor, o Servo de Deus João Paulo II. Pela primeira vez, na vigília do Grande Jubileu do Ano 2000, este Pontífice, também ele artista, escreveu directamente aos artistas com a solenidade de um documento papal e o tom amistoso de uma conversa entre "quantos como recita a carta com apaixonada dedicação, procuram novas "epifanias" da beleza". O mesmo Papa, há vinte e cinco anos, proclamou padroeiro dos artistas o Beato Angélico, indicando nele um modelo de perfeita sintonia entre fé e arte. Depois, o meu pensamento vai ao dia 7 de Maio de 1964, há quarenta e cinco anos, quando, neste mesmo lugar se realizava um histórico acontecimento, fortemente querido pelo Papa Paulo VI para reafirmar a amizade entre a Igreja e as artes. As palavras que pronunciou naquela circunstância ressoam ainda hoje debaixo da abóbada desta Capela Sistina, tocando o coração e o intelecto. "Nós temos necessidade de vós”, disse ele. “O nosso ministério precisa da vossa colaboração. Porque, como sabeis, o Nosso ministério é pregar e tornar acessível e compreensível, aliás comovedor, o mundo do espírito, do invisível, do inefável, de Deus. E nesta operação... vós sois mestres. É a vossa profissão, a vossa missão; e a vossa arte é extrair do céu do espírito os seus tesouros e revesti-los de palavra, de cores, de formas de acessibilidade" (Insegnamenti II, [1964], 313). Era tanta a estima de Paulo VI pelos artistas que o estimulou a formular expressões deveras ousadas: "E se a Nós viesse a faltar o vosso auxílio”, prosseguia, “o ministério tornar-se-ia balbuciante e incerto e teria necessidade de fazer um esforço, diríamos, por se tornar ele mesmo artístico, aliás por se tornar profético. Para se elevar à força de expressão lírica da beleza intuitiva, teria necessidade de fazer coincidir o sacerdócio com a arte" (Ibid., 314). Naquela circunstância, Paulo VI assumiu o compromisso de "restabelecer a amizade entre a Igreja e os artistas", e pediu-lhes que o fizessem seu e o partilhassem, analisando com seriedade e objectividade os motivos que tinham perturbado essa relação e assumindo cada um com coragem e paixão a responsabilidade de um renovado e aprofundado percurso de conhecimento e de diálogo, com vista a um "renascimento" autêntico da arte, no contexto de um novo humanismo. (cont.)


SP

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