quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O ÊXODO MACIÇO DE EUROPEUS PARA PORTUGAL

Refugiados judeus chegam a Santa Apolónia

Desde o ano de 1935 que se verifica o primeiro êxodo de populações alemãs com destino aos Estados Unidos e a alguns países da América do Sul. Temendo os dias de holocausto da política hitleriana, algumas dezenas de famílias, muitas delas de crença judaica, abandonaram o centro da Europa em busca de eldorados de trabalho e de segurança. Gente de recursos na sua grande maioria, eram médicos, professores, banqueiros e cientistas que, atraídos pelos laços do sangue ou da amizade, pretendiam fugir aos horrores de uma guerra iminente. Com a anexação da República da Áustria, desaparecida por completo a esperança da paz, uma nova vaga de refugiados buscou os caminhos do exílio, não sendo de esquecer as centenas de crianças austríacas que, ao tempo, graças ao apoio da Caritas, encontraram lares benfazejos em Portugal.
Mas foi com a invasão a Polónia e a consequente declaração de guerra da França e da Inglaterra, que se produziu um êxodo maior de alemães desafectos ao Reich, assim como de checos, polacos e húngaros que sentiam as suas vidas em grave perigo. Com a chegada a Portugal de grande número de refugiados, a maior parte em condições de extrema penúria, o nosso Ministério dos Estrangeiros viu-se forçado a medidas de emergência para os acolher.(...)
A dramática situação criada à Europa pelas tropas germânicas e soviéticas, levou à aprovação de um novo regulamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, dada a iminência de uma chegada maciça de expatriados europeus a Portugal. Assim, foi determinado que os nosso cônsules eram autorizados a conceder vistos gratuitos em duas condições: a) nos passaportes de estrangeiros nacionais de países que usassem de igual prática em passaportes portugueses; b) no passaportes individuais ou colectivos, ou nos documentos comprovativos dos mesmos, de estrangeiros em trânsito pelo território português, quando circunstâncias especiais assim o aconselhassem. O artigo 2º do referido decreto-lei determinava que a concessão e o prazo de validade dos vistos seriam regulados por instruções próprias já transmitidas às nossas autoridades consulares.
Foi ao abrigo desta determinação que vários cidadãos estrangeiros, muitos deles espanhóis, alemães, franceses e outros que viviam em Portugal ou haviam chegado na leva de 1940, tiveram a sorte de obter naturalização portuguesa. Mas o chamado “grande êxodo” não veio a demorar quando da súbita invasão dos Países Baixos, da Bélgica e da França, em Maio de 1940, pelas tropas germânicas. Dezenas de milhar de refugiados não tardaram a chegar à fronteira portuguesa, utilizando os meios possíveis por via aérea ou ferroviária, quando não atravessando a Espanha ao vaivém da sorte. Muitos desses infelizes queriam apenas fazer de Lisboa um porto de embarque para as três Américas, enquanto outros, com menos recursos, tudo fizeram para se fixar no país que gostariam de tomar como adoptivo. Esse número desceu, entretanto, para a média de duas mil entradas mensais, voltando a subir em Janeiro de 1942, com vagas de judeus que se foram instalando com o apoio dos comités judaicos residentes em Portugal.Avaliam-se os dramas humanos que estiveram na origem da fixação de tantos refugiados no nosso país. Na sua grande maioria eram franceses, alemães, polacos e austríacos, quase todos alojados em centros de turismo, como Costa da Caparica, Paço de Arcos, Praia das Maçãs, Curia, Figueira da Foz, Caldas da Rainha e Ericeira. As influências que os estrangeiros exerceram nas formas de pensar e de viver da sociedade portuguesa do tempo revestem-se de especial significado para a história das mentalidades no tempo da Segunda Guerra Mundial. Tenha-se sobretudo em conta que o Governo facilitou a vida dos refugiado em múltiplas formas de protecção, mas sem esquecer que a população teve igualmente um papel relevante no carinho social em que os envolveu.
A história recente tem procurado realçar a acção do Dr. Aristides de Sousa Mendes, cônsul de 1ª classe, e que, em 1940, estava à frente do consulado em Bordéus. Após a entrada dos alemães em Paris, o cônsul passou vistos a uns 30 mil refugiados, não apenas judeus, mas naturais de países então ocupados pelos alemães, o que lhes permitiu entrar legalmente em Portugal. Foi condoído da situação dos foragidos, que somente com essa autorização podiam deixar a França, que o nosso cônsul em Bordéus agiu na grave emergência. A decisão do Dr. Aristides de Sousa Mendes contrariava, porém, as instruções vindas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que haviam regulado, pela circular de 14 de Outubro do ano anterior, as condições em que o visto consular podia ser emitido. O seu gesto, por mais benemerente que fosse, infringia regras estabelecidas, o que teve por consequência que o cônsul fosse colocado na situação de disponibilidade, por conveniência de serviço.
Sujeito a processo disciplinar que o afastou da carreira diplomática, o Dr. Sousa Mendes seria, no nosso tempo, objecto de grandes homenagens, mormente das comunidades judaicas. Não nos foi possível examinar o processo que levou à sua aposentação compulsiva, pelo que se torna difícil emitir um juízo seguro acerca do seu afastamento. Para muitos críticos, seria apenas uma vingança pessoal do Doutor Oliveira Salazar, mas sem darem qualquer prova de tal aversão. Tratou-se sobretudo, ao nível do Ministério dos Estrangeiros, de um caso de não acatamento, por parte do Dr. Aristides de Sousa Mendes, das instruções recebidas. Pode realçar-se em seu abono que o nosso cônsul em Bordéus colocou a generosidade do coração acima das directivas oficiais que se lhe impunha cumprir.
Em defesa do Chefe do Governo, um dos seus biógrafos teceu o seguinte juízo: “Salazar nenhum destes refugiados entregou aos países de onde eram provenientes, pelo que foi assim um salvador ‘passivo’ desses 35.000 portadores do visto que Sousa Mendes assinou e a quem permitiu a fuga!”. Não reconhecer que o Presidente do Conselho facilitou a entrada dessas vítimas da conflagração constitui uma forma de miopia política contrária à realidade dos factos. Portugal tornou-se assim um verdadeiro asilo dos que se aproximavam das suas fronteiras e não viram negada a pretensão de um asilo para as suas dores e sofrimentos. Quem se recorda ainda da protecção oficial que o Governo concedeu aos foragidos pode dar testemunho de que o regime português salvou então a vida a milhares de europeus. A comunidade judaica que residia em Portugal, com realce para o Doutor Mosés Amzalak, jamais negou ao Presidente do Conselho essa homenagem.

Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal[1935-1941], pp.393-396.

SP

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