quarta-feira, 7 de abril de 2010

New York Times desmente-se a si mesmo nos ataques contra o Papa


O jornalista italiano Ricardo Cascioli explica no diário Avvenire que a documentação difundida pelo diário novaiorquino desmonta as suas próprias teses. Reproduzimos o texto de Cascioli.



Tudo começa a 15 de maio de 1974, quando um ex-estudante da St. John’s School para surdos, denuncia os abusos praticados contra si e contra outras crianças por Lawrence Murphy, entre 1964 e 1970, mas, conforme foi publicado, após uma investigação, o juiz encarregado arquiva o caso. A diocese de Milwaukee, por seu lado, afasta em seguida o padre Murphy, concedendo-lhe uma licença temporária por motivos de saúde (até novembro de 1974), a qual, porém, se torna definitiva. Uma carta da diocese de Superior, em 1980, explica que Murphy vive em Bounder Junction (Wisconsin), em casa da mãe, embora continuasse a exercer o ministério sacerdotal, ajudando o pároco local.
Entretanto, multiplicam-se as denúncias à diocese de Milwaukee, e entre julho e dezembro de 1993, Murphy é submetido a quatro longos interrogatórios pelos responsáveis da arquidiocese, acompanhados por psicólogos peritos em pedofilia. Surge daí um quadro clínico de “pedófilo típico”, que aconselha tratamento psicológico para maníacos sexuais, além de acompanhamento pastoral/espiritual, bem como restrição da actividade ministerial. Do informe dos interrogatórios depreende-se que havia 29 denúncias de menores. Murphy admite “contactos” apenas com 19 das crianças implicadas. Os documentos posteriores demonstram que a arquidiocese de Milwaukee prosseguiu as investigações, procurando precisar a realidade e a magnitude dos factos. A 17 de julho de 1996, o bispo Rembert Weakland escreve ao então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Joseph Ratzinger, pedindo esclarecimentos sobre o caso de Murphy e sobre um outro, não relacionado, de outro sacerdote, acusado de crimes sexuais e financeiros.
Monsenhor Weakland faz referência à denúncia de 1974, e explica que só recentemente teve conhecimento de que alguns dos crimes sexuais tiveram lugar durante o sacramento da Confissão, pelo que tinha encarregado oficialmente um sacerdote da diocese, James Connell, de levar a cabo uma investigação profunda (o decreto é de dezembro de 1995). Um obstáculo ao apuramento dos factos –afirma monsenhor Weakland–consiste na compreensível reticência das crianças e da comunidade da St John’s School em tornar públicas circunstâncias embaraçosas. Monsenhor Weakland dirige-se à Congregação para a Doutrina da Fé para pedir esclarecimentos sobre a jurisdição neste caso de “crime de solicitação” (cânone 1387), e se é competência da diocese ou da Congregação.
Dos sucessivos documentos parece que a carta não chegou nunca à mesa do cardeal Ratzinger e do então monsenhor Bertone, secretário da Congregação para a Doutrina da Fé. Em todo o caso, na falta de uma resposta, a arquidiocese de Milwaukee segue o seu caminho e, a 10 de dezembro de 1996, informa Murphy de que, a 22 de novembro, se tinha aberto um procedimento penal eclesiástico contra ele com um tribunal criado ad hoc. A petição da acusação é “expulsão de Murphy do estado clerical”.
O problema que se coloca, ainda assim, é o da prescrição dos crimes cometidos, pelo que, segundo a norma do direito canónico, não se poderia proceder. Contudo, o arcebispo de Milwaukee tem intenção de conseguir uma derrogação do cânone, tendo em conta a situação física e psicológica das vítimas. Essa intenção foi depois avalizada por monsenhor Bertone, em carta de 24 de março de 1997. Em finais de 1997, o proceso passa para a diocese de Superior, mas o presidente do tribunal continua a ser o mesmo de Milwaukee, Thomas Brundage. Dos documentos apresentados pelo New York Times ressalta claramente a intenção das autoridades eclesiásticas de Milwaukee e Superior de actuar o mais rapidamente possível para chegar a um acto de justiça e de reparação para com as vítimas e a comunidade da St John’s School.
Entretanto, Murphy escreve uma carta ao cardeal Ratzinger (12 de janeiro de 1998), pedindo a anulação do processo contra ele porque a Instrução de 1962 prevê, para começar a acção penal, um prazo de 30 dias desde o momento em que se apresenta a acusação. Murphy afirma ainda que, para além de estar arrependido, se encontra gravemente doente e vive retirado há 24 anos. Por isso pede que, pelo menos, não o expulsem do estado clerical.
A 6 de abril de 1998, monsenhor Bertone escreve a monsenhor Fliss, bispo de Superior, em nome da Congregação para a Doutrina da Fé, explicando que, depois de ter examinado atentamente o caso, não existe prazo para a acção penal, como aduzia Murphy, pelo que o processo pode continuar, ainda que, acrescenta Bertone, se deva ter em conta o artigo 1341 do Código de Direito Canónico, segundo o qual uma sanção penal deve ser aplicada apenas depois de se ter constatado não ser “possível obter de modo suficiente a reparação do escândalo, o restabelecimento da justiça e a emenda do culpado” por outros meios.
Monsenhor Fliss responde a 13 de maio a monsenhor Bertone, afirmando que, conforme indicação da Congregação, é necessário um processo a Murphy, tendo em conta a gravidade do escândalo e o grande sofrimento infligido à comunidade católica da St John’ School.
Chega-se, assim, a 30 de maio, quando no Vaticano se realiza um encontro entre monsenhor Bertone, o subsecretário da Congregação para a Doutrina da Fé, Gianfranco Girotti, e os prelados norteamericanos afectados pelo problema. Da acta do encontro depreende-se que na Congregação há dúvidas sobre a possibilidade e a oportunidade do processo canónico, dada a dificuldade de reconstruir os factos sucedidos 35 anos antes, sobretudo no que respeita ao crime no confessionário, e dado que não existem outras acusações desde 1974. Assim sendo, Bertone, como conclusão do encontro, resume as duas linhas fundamentais que se devem aplicar: restrição territorial do ministério sacerdotal (na prática Murphy deve ficar em Superior), e uma acção decidida com o fim de conseguir o arrependimento do sacerdote, incluindo a ameaça de “expulsão do estado clerical”.
O bispo de Milwaukee escreve ainda em 19 de agosto a monsenhor Bertone para pô-lo ao corrente das medidas tomadas para levar a cabo as líneas indicadas pela Congregação, e informá-lo do facto de que a sua diocese continuará a encarregar-se das despesas para apoiar a terapia das vítimas dos abusos sexuais. Finalmente, a 21 de agosto, Murphy morre, encerrando-se definitivamente o caso.
SP

Sem comentários: