sábado, 12 de dezembro de 2009

Reflexão teológica

Velazquez,1618. S. João Evangelista em Patmos

Extractos da homilia improvisada por Bento XVI, durante a Missa, na manhã de 1 de Dezembro, na Capela Paulina, na presença dos participantes na sessão plenária da Comissão Teológica Internacional.

As palavras do Senhor, que há pouco ouvimos no trecho evangélico, são um desafio para nós teólogos, ou talvez para dizer melhor, um convite a um exame de consciência: o que é a teologia? O que somos nós, teólogos? Como fazer bem teologia? Ouvimos que o Senhor louva o Pai porque escondeu o grande mistério do Filho, o mistério trinitário, o mistério cristológico, aos sábios, aos doutos. Eles não o conheceram, mas revelou-o aos pequeninos, aos népioi, àqueles que não são doutos, que não têm uma grande cultura. Com estas palavras, o Senhor descreve simplesmente um facto da sua vida, um facto que começa já na época do seu nascimento, quando os Magos do Oriente perguntam aos competentes, aos escribas, aos exegetas, o lugar do nascimento do Salvador, do Rei de Israel. Os escribas sabem-no, porque são grandes especialistas. Podem dizer imediatamente onde nasce o Messias: em Belém! Mas não se sentem convidados a ir. Para eles é um conhecimento académico que não diz respeito à sua vida. Permanecem fora. Podem dar informações, mas a informação não se torna formação da própria vida.
Os acontecimentos essenciais da vida de Jesus não pertencem unicamente ao passado, mas estão presentes, de vários modos, em todas as gerações. Também na nossa época, nos últimos duzentos anos, observamos a mesma coisa. Existem grandes doutos, grandes especialistas, grandes teólogos, mestres da fé, que nos ensinaram muitas coisas. Penetraram nos pormenores da Sagrada Escritura, da história da salvação, mas não puderam ver o próprio mistério, o verdadeiro núcleo: que Jesus era realmente Filho de Deus, que Deus trinitário entra na nossa história, num determinado momento histórico, num homem como nós. O essencial permaneceu escondido! Poder-se-iam citar facilmente grandes nomes da história da teologia destes duzentos anos, dos quais aprendemos muito, mas o mistério não foi aberto aos olhos do seu coração.
De tudo isto nasce a pergunta: por que é assim? É o cristianismo a religião dos néscios, das pessoas sem cultura, não formadas? Apaga-se a fé onde se desperta a razão? Como se explica isto? Talvez tenhamos que olhar mais uma vez para a história. Permanece verdadeiro o que Jesus disse, aquilo que se pode observar em todos os séculos. E todavia, existe uma "espécie" de pequeninos que são inclusive doutos. Aos pés da cruz encontra-se Nossa Senhora, a humilde serva de Deus, a grande mulher iluminada por Deus. E encontra-se também João, pescador do lago da Galileia, mas é aquele João que será justamente chamado pela Igreja "o teólogo", porque realmente soube ver o mistério de Deus e anunciá-lo: com olhos de águia, entrou na luz inacessível do mistério divino.
Sobressai o facto de que existe um uso dúplice da razão e uma maneira dupla de ser sábio ou pequenino. Há um modo de utilizar a razão que é autónomo, que se põe acima de Deus, em toda a gama das ciências, a começar pelas naturais, onde é universalizado um método adequado para a pesquisa da matéria: Deus não faz parte deste método, portanto Deus não existe. Assim também na teologia: pesca-se nas águas da Sagrada Escritura com uma rede que permite capturar somente peixes de uma certa medida, e aquilo que vai além desta medida não entra na rede e, por conseguinte, não pode existir.
Assim o grande mistério de Jesus, do Filho que se fez homem, reduz-se a um Jesus histórico: uma figura trágica, um fantasma sem carne nem ossos, um homem que permaneceu no sepulcro, que se corrompeu e é realmente um morto. O método sabe "capturar" certos peixes, mas exclui o grande mistério, porque o homem se faz ele mesmo a medida. Possui esta soberba, que é contemporaneamente uma grande loucura, porque torna absolutos certos métodos não adequados às grandes realidades. Entra neste espírito académico que vimos nos escribas, os quais respondem aos Reis magos: não me diz respeito. Permaneço fechado na minha existência, que não é tocada. É a especialização que vê todos os pormenores, mas já não vê a totalidade.
Existe o outro modo de utilizar a razão, de ser sábio: a do homem que reconhece quem é. Reconhece a própria medida e a grandeza de Deus, abrindo-se na humildade à novidade do agir de Deus. Assim, precisamente aceitando a sua pequenez, fazendo-se pequenino como realmente é, chega à verdade. Desta maneira, também a razão pode expressar todas as suas possibilidades, não é anulada, mas amplia-se, torna-se maior. Trata-se de outra sofia e sínesis, que não exclui o mistério, mas é precisamente comunhão com o Senhor, em quem repousam a sapiência e a sabedoria, e a sua verdade.
Neste momento, queremos rezar ao Senhor a fim de que nos conceda a verdadeira humildade. Que nos conceda ser pequeninos, para sermos realmente sábios; nos ilumine, nos faça ver o seu mistério do júbilo do Espírito Santo, nos ajude a ser verdadeiros teólogos, que podem anunciar o seu mistério porque foram tocados na profundidade do seu coração, da sua existência. Amém.

SP

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